O Marinheiro das Montanhas

Crítica: O Marinheiro das Montanhas

3.5

Em O Marinheiro das Montanhas, o cineasta Karim Aïnouz (Madame Satã, Praia do Futuro) visita a Argélia, país de seu pai, como uma forma de entender o impacto da ausência dele na sua criação e descobrir-se através de um resgate das suas origens. O longa é inteiramente marcado pelos registros que Aïnouz fez dessa viagem, por materiais de arquivo (fotos do seu próprio álbum familiar) e por uma tocante narração em primeira pessoa na qual o diretor elabora seus sentimentos para sua falecida mãe como na redação de uma carta.

Relatos em primeira pessoa como o que Aïnouz faz em O Marinheiro das Montanhas costumam ser interessantes apenas para os seus autores, externalizando uma postura que oscila entre a abordagem egocêntrica ou a excessivamente intimista. No entanto, aqui, Aïnouz faz tudo de maneira tão poética, não apenas no texto narrado, mas no exercício de montagem que o seu filme promove, que O Marinheiro das Montanhas causa um efeito distinto no espectador, sobretudo porque o cineasta contextualiza suas origens em um cenário geopolítico, a colonização africana e a ditadura militar no Brasil, que fizeram seus pais se conhecerem em uma universidade dos EUA e se afastarem quando o diretor nasceu. Nesse sentido, o cineasta se constrói, como tantas outras pessoas do seu tempo, como alguém de origem imprecisa, híbrida, amplificando suas inquietações, sua natural sensação de deslocamento ao longo da vida, em busca de algum sentido em meio a esse desfacelamento provocado pela política.

O Marinheiro das Montanhas

Por ser algo relatado como um diário, ao longo de O Marinheiro das Montanhas, essas ideias surgem dispersas, organicamente entrecortadas pelo fluxo de pensamento. No entanto, logo, o grande tema do filme é revelado ao seu narrador e, consequentemente, ao público. Assim, Aïnouz tenta compreender um conflito pela independência do país de seu pai com a França, enquanto busca em desconhecidos da viagem algum parentesco, até encontrar remanescentes da família Aïnouz e pessoas que conheceram o seu avô. O cineasta tenta imaginar quem poderia ter sido se ele e sua mãe tivessem ido morar com o pai na Argélia, ao mesmo tempo em que resume para o público quem se tornou ao fincar raízes no Ceará quando a mãe retorna ao Brasil.

O filme de Aïnouz é um relato bastante subjetivo e complexo sobre identidade e histórias familiares que descobre um contexto geopolítico a partir do privado, ou melhor, explora as reverberações deste no âmbito mais íntimo do seu narrador. A jornada empreendida em O Marinheiro das Montanhas dimensiona todo e qualquer processo de colonização e luta pela independência como algo ainda mais violento, traumático e devastador quando transportado para o âmbito privado, micro.

Direção: Karim Aïnouz

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