Crítica: Caça-Fantasmas

Cercado por ceticismo, aversão às protagonistas femininas e apego exagerado ao material original, a jornada de Caça-Fantasmas até o seu lançamento nos cinemas não foi nada fácil. A versão de 2016 para a franquia que virou fenômeno pop na década de 1980 e 1990 teve um dos trailers mais repudiados do ano, gerando comentários misóginos e mais de 500 mil unlikes em sua versão disponibilizada no YouTube. Para a felicidade de muitos, Caça-Fantasmas conta com um diretor como Paul Feig (de comédias imperdíveis como Missão Madrinha de Casamento e A Espiã que sabia de menos) no comando, conseguindo dar a melhor resposta que a onda de desaprovação precoce e, em sua maioria, injustificada, poderia receber através de um filme que não só é um dos longas mais  divertidos desta temporada modorrenta de blockbusters como, em muitos momentos, consegue ser mais forte que o original, se o espectador não tiver tanto vínculo afetivo assim com os filmes da década de 1980.

Em Caça-Fantasmas, Kristen Wiig interpreta Erin Gilbert, uma professora da Universidade de Columbia que começa a vislumbrar uma posição melhor como acadêmica, mas tem como obstáculo a popularidade de um livro sobre fantasmas que escreveu anos atrás junto com a sua melhor amiga, Abby Yates, personagem de Melissa McCarthy. Para dar seguimento aos seus planos de carreira, Erin tenta convencer Abby a retirar o livro de circulação, mas descobre que a amiga está utilizando o retorno financeiro que obtém com a republicação da obra para reativar um antigo sonho das duas. Junto com Jillian Holtzmann, de Kate McKinnon, e Patty Tolan, interpretada por Leslie Jones, Erin e Abby descobrem que podem enfim comprovar a existência de fantasmas entre nós e que salvar o mundo e a cidade dos perigos que eles representam pode ser a grande missão das suas vida.

Os Caça-Fantasmas de 1984 e sua continuação de 1989 foram produtos marcantes para uma geração, com uma série de elementos da franquia original fazendo parte da cultura pop (o tema musical de Ray Parker Jr, a logomarca do grupo, o fantasma Geleia, o homem de marshmallow) e sua conversão em uma série de subprodutos como games e uma série de desenho animado. O grande mérito desta nova investida, portanto, foi conseguir se desvencilhar, ainda que timidamente, de todo este forte legado e criar um terreno próprio para o estabelecimento de uma nova franquia. Caça-Fantasmas de Paul Feig é um longa com méritos que são só seus e do seu carismático e interessante novo elenco.

Antes de adentrarmos no novo longa da franquia, precisamos fazer um parênteses. Mesmo que tenha respeito por todo o legado deixado por Ivan Reitman e seus dois filmes, a franquia Caça-Fantasmas nunca foi algo pelo qual tive muito afeto e isso é uma perspectiva pessoal sobre a obra. Os filmes protagonizados por Bill Murray e cia estiveram presentes na minha vida através das suas reprises na televisão e seus inúmeros ícones, mas não foi algo particularmente marcante. Sei que muitos que também viveram suas respectivas infâncias nos anos de 1980 e início dos anos de 1990 não irão compartilhar a mesma percepção, mas preciso deixar claro isso antes de defender um juízo sobre este longa que me conquistou em definitivo. Muito mais do que os seus antecessores até.

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O filme de Paul Feig é um título que não esquece as suas origens, lotando a sua projeção com diversas dinâmicas, momentos, elementos e personagens que nos remetem aos filmes de Ivan Reitman, até atores dos originais como Bill Murray, Dan Aykroyd e Sigourney Weaver poderão ser vistos ao longo do filme interpretando outros personagens e podem ficar tranquilos que isso não fere em nada o legado do Caça-Fantasmas original. Por um lado, o filme de 2016 acerta ao ter consciência de que é um produto derivado, com todos os seus prós e contras inerentes. Esta consciência, por vezes, até prejudica o filme pois está claro que ele não precisa da nostalgia como muleta de segurança para caminhar sozinho. O trabalho de Feig e seus atores tem recursos próprios e sabe se divertir com a história que tem em mãos sem precisar voltar muito ao passado, com a exceção de um ou outro elemento inevitável, como é o caso da música tema de Ray Parker Jr..

Paul Feig consegue captar o tom do “filme pipoca” com uma certa autonomia, algo cada vez mais em falta na temporada de blockbusters, tomada por títulos que ou se levam muito à sério ou são completamente genéricos e vivem exclusivamente dos seus referenciais do passado e de suas versões em outras mídias. O realizador de Caça-Fantasmas faz uma comédia de ação que é divertida do início ao fim. Há um equilíbrio interessante entre as sequências de ação e comédia que garantem a simpatia do longa com o público e tudo é guiado com maestria por um elenco que possui muita química quando está junto, seja no campo de batalha contra as almas penadas, seja quando protagoniza cenas cotidianas na sede do grupo localizada agora em um restaurante chinês (uma pena que lá pelas tantas eles joguem fora esta bem-vinda mudança de ares para retornar ao QG do corpo de bombeiros em reverência ao original). Assim, parte do êxito do realizador vem do seu elenco, que consegue cativar o público com muita facilidade. Tanto o quarteto de caça-fantasmas com longa trajetória no humor formado por Melissa McCarthy e pelas expoentes do show de TV Saturday Night Live Kristen Wiig (que já tinha trabalhado com Feig e Melissa em Missão Madrinha de Casamento), Kate McKinnon e Leslie Jones, quanto o assistente bobalhão vivido Chris Hemsworth (uma escalação certeira da equipe) se esbaldam em um filme que honra o puro e despretensioso entretenimento.

Caça-Fantasmas pode até ter a sua queda de fôlego no início do terceiro ato e perder um pouco do seu ritmo de ação, mas Os Caça-Fantasmas de 1984 também tinha os mesmos problemas, e quando você se depara com um filme que te oferece tanto senso de diversão até mesmo em seus créditos finais (não saiam da sala sem vê-lo), releva-se a mais humana das derrapadas. O que fica como registro não são os eventuais tropeços, comuns a maioria dos filmes, com raríssimas exceções, diga-se de passagem, mas a química entre o elenco e o êxito de Paul Feig em entregar uma comédia repleta de timing e que não apela para recursos fáceis (e de mau gosto) como a escatologia, o preconceito etc. No universo próprio que Caça-Fantasmas consegue criar, ainda que vez ou outra se intimide com a sombra do original, o longa ainda é auto-referencial e faz piada com o próprio episódio da onda de haters que seguiu a divulgação do trailer no YouTube. O episódio revela o humor e do senso de diversão que o filme consegue imprimir durante toda a sua projeção, mas também que o que de fato ficará de toda esta história é a ótima impressão que o longa em si deixa no público.  Como sempre, o que fica é um filme cujo ótimo resultado fala por si só.

Assista ao trailer:

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