Quando retorna para casa depois de um dia cansativo de trabalho como vendedora ambulante nas ruas de São Paulo, Maria (Marcélia Cartaxo) se dá conta de que o filho Valdo ainda não voltou da rua. No dia seguinte, ao acordar, ela percebe que o rapaz não dormiu em casa. A mãe do jovem o procura no colégio, na vizinhança, conversa com os chefes do tráfico no seu bairro, vai à delegacia e até no IML. Valdo desapareceu, deixando a sua mãe aflita à procura de alguma resposta.
Diretor por trás da trilogia composta por filmes como Construção (2007), Mataram meu irmão (2013) e Elegia de um Crime (2018), Cristiano Burlan conhece bem as dinâmicas da periferia de São Paulo com a polícia e o tráfico e sabe o que é ter um familiar tirado do seu convívio pelo contexto brutal dessa realidade. Assim, ao dirigir A Mãe, Burlan emprega todos os seus esforços na perspectiva dos que ficam, no caso, a mãe do rapaz desaparecido. Através desta personagem, Burlan pincela elementos reconhecíveis para o público, a história da mulher nordestina que vai para São Paulo com um filho pequeno em busca de melhores condições de vida e que anos mais tarde tem esse único filho tragado pela violência da metrópole.
Burlan costura essa história com um foco especial no desempenho de Marcélia Cartaxo, toda a peregrinação da sua personagem, as reações de Maria diante da ausência de respostas para o sumiço de Valdo. A atriz aproveita os termos do seu diretor para A Mãe e entrega um desempenho que dimensiona muito bem para o espectador toda a aflição dessa mulher. O isolamento de Maria em A Mãe é construído em uma crescente, na medida em que policiais, traficantes e vizinhos tripudiam ou reagem com indiferença à sua dor, deixando seu caso no mais completo desamparo. O luto de Maria é solitário e o contexto impõe que ela viva essa dor dilacerante em silêncio.
Burlan também sabe como e quando exibir eventos que não são do conhecimento dessa protagonista, a maior parte deles protagonizado por seu filho Valdo, interpretado por Dustin Farias. Assim como Cartaxo, mas, claro, em circunstâncias pontuais, Farias também oferece para o espectador uma interpretação carregada de emoção na tela, sobretudo quando interpreta um rap composto por Valdo em uma cena do longa na qual, sem cortes, Burlan deixa o quadro quase que exclusivamente no rosto do ator.
Como esperado pela filmografia pregressa do cineasta, A Mãe não é um filme que se contenta com a dimensão particular do drama enfrentado pela sua protagonista. Cristiano Burlan vincula toda a situação às ações desumanas e arbitrárias da polícia militar na periferia de São Paulo, compreendendo esse histórico como uma extensão da nossa mal expurgada ditadura militar. Burlan é firme no endereçamento de suas denúncias, atribuindo explicitamente a responsabilidade desse cenário desolador para as famílias a instituições (PM) e até mesmo a governantes, como é o caso do ex-governador de São Paulo João Dória. Nesse sentido, A Mãe é um longa corajoso e que não tem meias palavras na hora de apontar os culpados.
Muitas vezes, em prol do protagonismo do drama humano, alguns cineastas diluem a contextualização desses eventos, ou quando se pensa em um filme denúncia, a conexão com as personagens é suprimida pela força raivosa da crítica. A Mãe é o caso raro de um filme que consegue ser sensível e humano na encenação do seu drama, articulando muito bem a linguagem audiovisual em prol da construção da sua narrativa e, ao mesmo tempo, é incisivo e relevante no seu caráter político de denúncia da violência e da realidade da periferia brasileira em sua relação com a polícia e o tráfico.
Direção: Cristiano Burlan
Elenco: Marcelia Cartaxo, Mawusi Tulani, Helena Ignêz
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