Baseando-se no conto homônimo de Roald Dahl, o cineasta Wes Anderson (Asteroid City) chega à Netflix com uma adaptação coesa e vibrante. A Incrível História de Henry Sugar tem todos os traços estilísticos de Anderson, desde a paleta de cores marcadas pelos tons pastéis ou as atuações não convencionais – com certa imobilidade corporal e expressões faciais quase passivas, que se apegam ao colorido tonal da voz –, mas há também espaço para a personalidade da literatura de Dahl, cheia de fantasias e um toque mágico ou quase mágico.
É por isso que, aqui, o trabalho de Wes se destaca, e por dois motivos. O primeiro é o seu roteiro, que consegue se apropriar do mundo ficcional de Dahl e transmitir todos os detalhes de uma história complexa com precisão e nitidez. Através dos relatos das personagens, o espectador vai imergindo na trama, juntando os pedaços das informações, que são entregues progressivamente. Mas, esta conexão do público com o enredo também se dá na própria dinâmica de trabalho criativo de Wes.
E aí é que está o segundo destaque da obra! Através de elementos marcantes da visualidade “Wesandersoniana”, o mundo literário parece saltar da tela, como se quem assiste estivesse virando as páginas de um livro ilustrado. Nesta lógica, a escolha da razão de aspecto 4:3 e o fato dos intérpretes olharem para a câmera na maioria dos momentos elevam essa sensação. A centralização das personagens em sequências de viradas, pequenas ou grandes, também é uma forma de direcionar o olhar da plateia durante a exibição.
Por isso, há uma genialidade de Wes neste seu média-metragem, porque o diretor consegue transformar as palavras de Roald em imagem, mantendo sua linguagem e prendendo a atenção de seu público. Essa triangulação não é fácil, muito menos a precisão de passar texto escrito para tela seja necessário. No entanto, Anderson o faz em seu novo filme e mostra destreza e confiança ao realizar seu intento. De certo, a seleção do conto a ser adaptado também foi inteligente.
Em algumas produções recentes de Wes, a sua forma de manejar a narrativa soa forçada, quase que como se a narrativa estivesse à serviço do processo criativo do autor e não o contrário. Contudo, em Henry Sugar tudo se encaixa, não apenas nas escolhas da direção, mas também nos outros setores da técnica. Para que essa combinação visual e textual (falada) funcionasse, Wes Anderson garantiu, mais uma vez, uma boa equipe nos bastidores.
Os integrantes que trabalham na rte do média é imensa. O design de produção é assinado por Adam Stockhausen (O Grande Hotel Budapeste), que é quem geralmente comanda a função nos filmes de Anderson. Já a direção de arte é encabeçada por Claire Peerless (Meu Policial) e Richard Hardy (A Bela e a Fera). O figurino está nas mãos de Kasia Walicka Maimone (Capote). Já a maquiagem é realizada por uma extensa lista de profissionais.
Toda esta listagem aparece nesta crítica para dizer que além de ser meticuloso, este setor do filme conta com uma boa quantidade de membros também. Números altos não significam sempre qualidade, porém em Henry Sugar este é o caso. A cenografia dialoga com a direção de fotografia, que é uma parceria fundamental para que a construção de sentido seja não apenas eficaz, mas que funcione visualmente, para além do desejo de imprimir camadas narrativas.
Neste sentido, cada mudança de cenário é equilibrada ou acentuada pela temperatura. Um exemplo é a sequência do hospital, na qual se tem uma impressão imediata de luz estourada. Todavia, aos poucos, é trazida a informação sobre a personagem do Ben Kingsley que faz com que o uso dos tons dos figurinos e do espaço sejam compreendidos em sua totalidade. Além desta construção imagética bem feita, o elenco (super experiente, é bem verdade) dá conta de uma história que poderia levar as atuações para o caricato exagerado.
Talvez, seja difícil explicar que há certa caricatura dentro desta obra, mas não é algo histriônico, que desconecte o indivíduo de sua espectatorialidade. É mais um uso de arquétipos visuais – algo recorrente nos filmes de Wes – do que uma ausência de elaboração de camadas de complexidades. Assim, A Incrível História de Henry Sugar é uma sessão prazerosa, que gera curiosidade, pela própria ideia criada por Dahl, mas que também tem seus elementos instigantes fomentados por Anderson.
Entre todos os acertos, a única questão que incomoda são as reiterações em certas falas do roteiro. Esta característica demonstra que o espectador está sendo um pouco subestimado. De longe, não é algo que compromete o resultado total, mas diminui, de certo, a qualidade geral.
Direção: Wes Anderson
Elenco: Benedict Cumberbatch, Ralph Fiennes, Dev Patel, Ben Kingsley
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