Casa Izabel

26º Festival Cine PE: Casa Izabel

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Explorando os limites entre o realismo, o fantástico e o absurdo, Gil Baroni (Alice Júnior) convoca o espectador a ficar imerso em uma narrativa intensa. Na corda bamba entre empregar organicidade ao exagero e o extrapolar, imprimindo estranhamento, Casa Izabel é um tanto irregular em seu teor qualitativo geral. Todavia, este é um longa-metragem que se pauta no risco, seja no conteúdo de sua história ou em sua própria estética. Entre falhas e acertos, o filme é marcado por uma crescente, que vai tornando a sessão mais prazerosa, à medida que a trama avança.

O enredo mostra homens que fazem parte de uma elite escravocrata, homens este que se isolam numa residência afastada, para viver uma espécie de fantasia, através da prática do crossdresser. Tudo isto durante os anos 1970. Com esta premissa, o primeiro ato funciona como uma apresentação deste universo. Durante todo este início, a experiência da sessão é um tanto difícil de acompanhar, porque há uma combinação, que nesta primeira parte não funciona: as atuações e a escrita dos diálogos. Ambas são bem artificiais.

Além disso, o texto é um tanto expositivo e subestima o seu público ao reiterar verbalmente o que já está posto visualmente ou o que poderia ficar subentendido. Duas sequências são as mais fortes neste sentido. O momento no qual Leila (Jorge Neto) recepciona Regina (Andrei Moscheto) para explicar todo o funcionamento da casa e toda a sequência da interação inicial de Regina com as outras integrantes daquela fantasia são truncadas, caricaturais e, sobretudo, com explicações desnecessárias.

Quem assiste demora para entrar naquele mundo ficcional. No entanto, a partir do plot twist da trama e da entrada da personagem de Izabel (Luís Melo), a qualidade do longa começa a aumentar. Primeiramente, Melo é o único que sustenta as dificuldades de um texto caricatural. Ele traz para sua composição elementos físicos, que contribuem para organicidade de seu papel. Luís sabe utilizar a imobilidade de Izabel, que já é uma crossdresser em decadência,  ao seu favor, criando sensações através de sua retenção de movimentos e tônus, que revela todo o peso daquela existência opressora. 

Outro fator que colabora com o aumento da potencialidade do filme é a sequência da primeira morte em tela. A atmosfera de tensão e suspense, juntamente com o desespero crescente das personagens, ajuda o texto a ficar mais fluido e menos expositivo, porque o enfoque são nas ações e não na reiteração de explicações. Essa mudança afeta positivamente a interpretação de todo elenco. No momento da virada da narrativa, inclusive, Gil Baroni entrega um dos planos mais bonitos que esta crítica que vos escreve já viu no cinema.

Casa Izabel

A composição do enquadramento, com o timing da entrada do leite se misturando ao sangue e a expressão facial do ator são elementos causam impacto. Além da beleza imagética e de ser ponto chave para a virada da história, este é um momento que pode criar múltiplas interpretações. Um exemplo de análise está na observação do que este momento tem a ver com a relação entre Dália (Laura Haddad) e Klaus (Otavio Linhares). O leite poderia ser ligado com a maternidade dessa mãe, que procura seu filho perdido, versus ao sangue derramado do opressor.

Mas, sem dúvida, este frame pode despertar caminhos interpretativos plurais e por isso ele é tão especial. Este é um dos elementos que confirma o fato de que, na verdade, o ponto alto de Casa Izabel é a direção de Gil Baroni. O seu olhar para aquelas personagens, a sua consciência sobre o momentos de segurar e movimentar a câmera e as referências que ele coloca no ecrã são os alívios para os exageros artificiais da obra. Porque, na realidade, não há problema algum em trazer um tom farsesco para o audiovisual, porém o como isso será feito que muda tudo.

É preciso ter fé cênica, quando se é ator, e saber dosar o que vai ser entregue dentro dos diálogos, quando se é roteirista. E é por esta razão que quanto mais conflitos são postos na trama, menos espaço para a super exposição aparece. Inclusive, com tantos subplots, Luiz Bertazzo poderia ter se perdido, mas quase todas as peripécias são amarradas, o que lhe confere uma espécie de redenção pela exposição e tom artificial demasiados. Desta maneira, Casa Izabel pode ser uma obra que tenha uma entrada difícil, mas que vai, gradativamente, conquistando o público.

Ainda que conte com algumas artificialidades, são notáveis as suas características positivas. Além da direção eficaz de Baroni, a equipe de arte e o fotógrafo fomentam esta ambientação de época, mas também do terror, da decadência, da opressão dos homens da elite escravocrata brasileira e da quebra com este passado (?) do país. É por isso que não há como finalizar este texto sem exaltar o final de Casa Izabel. Sem necessariamente contar o que ocorre em seu desfecho, pode-se falar que as ações de Leila no encerramento da exibição chegam como uma metáfora potente, que amarra o discurso presente no longa, bem como deixa o roteiro redondo.

O poder final dado a Leila e o fim que ela coloca naquela sistema tirano é intenso e até ajuda a elevar a construção da personagem de Leila, revelando como o ator Jorge Neto sai daquele corpo preso e sem mobilidade e explode em liberdade, cheio de energia e vitalidade. Talvez, seja assim que o espectador saia da sessão…

Direção: Gil Baroni

Elenco: Jorge Neto, Luís Melo, Laura Haddad