Aftersun

Crítica: Aftersun

4.5

A partir de memórias pessoais, a diretora e roteirista Charlotte Wells conta a história de uma garota de 11 anos que passa um feriado junto com seu pai na Turquia. Aquilo que promete ser uma temporada divertida, acaba sendo o despertar dessa garota para os problemas que acometem o pai, algo que somente na maturidade ela vai ter uma dimensão mais precisa a respeito. Aftersun tem essa atmosfera agridoce, uma melancolia repleta de sentimentos genuínos e puros, para registrar aquele que promete ser o último momento compartilhado entre pai e filha.

O filme de Charlotte Wells resgata com uma sensibilidade singular o instante da infância no qual começamos a perceber a humanidade em nossos pais, os indícios de uma falibilidade. É o registro de coisas que não são ditas ou compreendidas instantaneamente, informações esparsas que são registradas e intrigam uma criança de 11 anos, mas que só serão entendidas de fato na vida adulta. O longa acerta ao incorporar na sua narrativa o desabrochar dessa perspectiva mais humana sobre a figura paterna, uma intuição sobre as suas fragilidades que contrasta com a imagem do ídolo imbatível que predomina na tenra infância.

Aftersun conta com uma direção nada óbvia, que opta pela sensibilidade, mas evita a pieguice. É uma direção bastante sensível, mas também astuta, que explora com muita inteligência as possibilidades da linguagem audiovisual ao valorizar espaços e informações que em um primeiro momento não seriam prioritários em um plano, como os cantos da tela, os reflexos dos personagens em objetos… O filme de Wells opta por uma condução e montagem que se espelham na narrativa da memória infantil, tendo o banal como tom predominante e os aspectos mais valiosos para a compreensão dessa história entregues da forma mais discreta possível.

Aftersun

A princípio, o espectador fica um pouco incerto do que a realizadora quer contar, nada daquilo que surge na tela aparenta ser significativo, ainda que a atmosfera entregue que algo não está muito certo com Calum, personagem de Paul Mescal. Logo, as camadas desse personagem e o propósito dessa história começam a se revelar para o espectador e Aftersun se transforma em um retrato muito crível sobre a depressão. Não importa o quanto aquele momento com a filha inspire condições positivas, Calum não consegue se divertir, aproveitar a vida com alguém que de fato ama. Ao mesmo tempo, do outro lado, temos a perspectiva da filha que não consegue melhorar o estado de saúde do pai e intuitivamente percebe que há algo de errado com ele, sofre bastante com isso, mas sabe ser muito empática com a situação. Na síntese dessa relação, há um amor que, infelizmente, não é o suficiente para evitar que esse elo seja abrupta e traumaticamente rompido no futuro.

Estreando em longas, Charlotte Wells tem uma direção exemplar em Aftersun, emotiva, mas íntima, não fazendo escarcéu com as dores dos seus personagens. Esse tato com o seu roteiro se reflete na direção dos seus atores, Paul Mescal é cirúrgico com as dores do seu personagem, na maioria das vezes, pouco expostas, e a Frankie Corio é um sopro de luz na tela. É surpreendente notar como Wells conseguiu um resultado tão sublime em uma estreia. Aftersun é cuidadoso e maduro no manejo da técnica cinematográfica e, ao mesmo tempo, é uma experiência audiovisual emocionalmente engajante, cheia de humanidade, completa, intensa. Como é revigorante ver uma realização com esse nível de comprometimento com o cinema e com o que ele pode provocar no âmbito das emoções.

Diretora: Charlotte Wells

Elenco: Ruby Thompson, Paul Mescal, Frankie Corio, Celia Rowlson-Hall, Sally Messham, Spike Fearn, Ethan Smith

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