10º Olhar de Cinema: Colmeia

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É preciso muita coragem para realizar o que é feito em Colmeia. Com a câmera parada, no mesmo enquadramento, por quase 7 minutos, enquanto uma personagem conta seu relato, toda a existência de uma mulher injustiçada pelo sistema penal do Brasil é fruído intensamente. E é desta maneira que o público se depara com a figura de Huri, centralizada na tela, contando sobre sua tortuosa trajetória.

Desde os motivos para o seu encarceramento até o que viveu nos anos que passou presa, Huri mescla fragilidade e força, em sua voz tranquila, mas firme. Esta estratégia de deixar o público visualiza a protagonista por tanto tempo, pode causar, primeiramente, certo estranhamento. No entanto, esta escolha fomenta as sensações que o curta-metragem parece desejar passar. Não há zona de escapatória visual. Não existe outro ponto para se observar e, talvez, senti algum alívio em conseguir contemplar um novo cenário ou ângulo.

Assim, toda a história de Huri atinge e incomoda mais incisivamente quem a escuta. A contemplação da figura de Huri, juntamente com a suavidade e calma como ela explica os detalhes de suas dores, fazem que cada frase seja absorvida com uma amplitude maior. A sensação durante boa parte da projeção é a de imobilidade, pois se vê uma personagem que fala livremente e não há como fugir do que ela diz.

A consequência disto é um impacto maior sobre a reflexão presente ali. Há um discurso potente e arrasador vindo de Colmeia. Mil perguntas surgem na mente enquanto a exibição ocorre. Existe pairando no ar todo um questionamento sobre o sistema penitenciário brasileiro, bem como os privilégios das classes altas do país, que seguem impunes. Por que uma mulher que se defendeu de um estupro, perde a sua liberdade e tem sua vida completamente transformada, enquanto crimes reais, feitos pelos favorecidos passam tão impunes?

(A resposta óbvia é o de menos, quando o que realmente importa é como a pergunta chega na mente de quem ouve Huri).

Ao mesmo tempo, o diretor e roteirista Maurício Chaves, juntamente com Huri, traça rumos para o alcance de novos horizontes. Pistas bem explícitas são convocadas para a obra, que deixa nítida o que precisa ruir e ser mantido na sociedade. Mas, há todo um caminho narrativo para que o momento do clímax, aquele no qual as casas ricas explodem, demoradamente, na produção.

Sejam nos diálogos que Chaves e Huri estabelecem no curta, quando ele faz perguntas para ela, ou como ela vai revelando camada por camada cada violência sofrida, quando tudo se incendeia no ecrã houve uma preparação para este rompante, que não chega de maneira repentina. Pelo contrário. A revolta e a angústia sentidas ao ouvir as palavras de Huri fazem que o fogo que queima as residências dos endinheirados provoque um efeito catártico.

Neste jogo realizado pela dupla, de espontaneidade de quem conta para uma pessoa próxima sobre seu passado e a própria artificialidade que nunca vai deixar de existir, de alguma forma, ao se ligar a câmera, existe uma imersão nas vivências de Huri, bem como uma simplicidade técnica. Aqui em Colmeia, ela se basta. O que importa é Huri e toda a água que a cerca e que ela ama tanto. Além disso, o convite ao plot twist na vida real é deixado de maneira assertiva, amarrando todos os elementos ali mostrados.

Direção: Maurício Chades

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