Dirigido por Marcus Curvelo (Mamata) e Leon Sampaio (Gente Bonita), Eu, Empresa é um retrato da sociedade contemporânea, em sua extensa pequenez. Se existe um sistema capitalista e cruel, há também os que não se encaixam nas dinâmicas, aparentemente, obrigatórias deste contexto. O que resta para os desconectados com esta realidade é a sensação de fracasso e angústia ou a procura para reverter a derrota e, finalmente, fazer parte do todo. Assim, o filme procura mostrar em seus 82 minutos de projeção as fragilidades e incoerências humanas.
Existe dentro da obra algo de semelhante com as produções anteriores da Cual (Coletivo Urgente de Audiovisual). O enredo não é apenas um olhar crítico e sarcástico para o geral, mas também para os indivíduos desesperados em pertencer a este universo cheio de palavras vazias e utilizadas de forma banal, como “mindset”, por exemplo. É nesta lógica que se insere o protagonista dentro da trama. Buscando um espaço no mundo e recém desempregado, Marcus – interpretado por Curvelo – começa a gravar vídeos para o Youtube. A sua tentativa é, em seu empreendedorismo, alcançar o dinheiro e a fama.
A maneira como a sua sensação de competência fantasiosa é mostrada na tela de Eu, Empresa. Passando do limite do constrangedor, não há receio aqui em apelar para o ridículo. Entre suas dúvidas sobre o futuro, Marcus é o típico homem branco privilegiado que acredita possuir direito de ocupar todos os locais que desejar e cheio de ideias geniais, constantemente. A cena que mais ilustra esta característica da personagem é quando ele está em um matagal, com Baumga (Carlos Baumgarten), um amigo que o filma. Enquanto ele tenta produzir algum conteúdo que chame atenção na rede, Marcus demonstra revela a noção que tem de si: um gênio criativo, preenchido de metáforas para as imagens que irá passar em seu canal. No entanto, a qualidade desta representação está também ligada ao fato dela carregar uma complexidade em sua construção.
O misto de derrotismo com arrogância compõe uma personagem com mais camadas. Algo que eleva esta potencialidade são os coadjuvantes que o cerca. Entre indivíduos que notam a tolice de Marcus ou que aposta em suas estratégias, a narrativa, através disto, consegue explorar as múltiplas facetas dos altos e baixos de Marcus. Em alguns momentos, quando áudios de whastapp são escutados, as emoções do espectador parecem traduzidas. Todo o julgamento que pode ser feito durante a sessão são colocados ali, nas falas de um amigo de Marcus, que contém uma revolta sobre as ações do protagonista, que se mostra mimado e estúpido em diversas cenas. Talvez, este recurso não fosse necessário, pois apenas reitera o que o público já observou em Eu, Empresa. Contudo, existe uma sensação de prazer sentida quando estas frases são escutadas.
Ainda assim, mesmo apontando as bobagens deste início de século, falta dentro no roteiro um desenvolvimento um pouco maior das relações. Escrito por quatro roteiristas (Curvelo e Sampaio, junto com Camila Gregório e Amanda Devulsky), nota-se a presença de profundidade em Marcus. Este dado aumenta a percepção da ausência elaboração maior de seus coadjuvantes. Há o fato de haver uma aparente intenção em imprimir a superficialidade dos tempos atuais e eles servem para direcionar o olhar para os atos estapafúrdios de Marcus, mas, ao se comparar a criação de Marcus com a de seus coadjuvantes, percebe-se que ali estão somente uns tipos, um tanto aleatórios, sem personalidade alguma.
Outro fator que pode ser apontado é que, dentro seus aspectos formais, Eu, Empresa não é inventivo, mas apresenta bem uma execução tradicional. A decupagem é consciente e os quadros e cortes ajudam a aumentar as piadas e situações vergonhosas vividas por Marcus. Um fato que pode incomodar são as pequenas perdas de focos, em algumas sequências. Este elemento não atrapalha a fruição, porém desconcentram de leve. Ainda assim, no geral, a obra entrega o resultado que demonstra desejar: um longa irônico, que ri de si mesmo e de todos.
Direção: Marcus Curvelo, Leon Sampaio
Elenco: Marcus Curvelo, Carlos Baumgarten, Carol Alves
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