Com narrações que seguem o fluxo da narrativa, A Metamorfose dos Pássaros é um docudrama sobre amor e memória. Com uma quase ausência de diálogos, o longa-metragem português, escrito e dirigido por Catarina Vasconcelos, amarra sua trama através dos pontos de vista de cada personagem, em períodos distintos. Inspirada em sua própria família, Vasconcelos revela lentamente os sentimentos que unem machucam, sufocam e aliviam aqueles que lhes são tão caros. Esta explosão de sensações, no entanto, é posta de maneira poética e sensível. Nesta mescla de temporalidades, colocadas em transições marcadas por mudanças de narrador e de faixa etária dos atores que representam estes familiares, há também uma mistura de composições de tons.
Ao explorar imagens externas de espaços da natureza, em paralelo à capturas da residência antiga de seus familiares, Vasconcelos consegue imprimir toda a melancolia presente no processo de perda e luto, mas também em revelar o carinho guardado que todos nós podemos ter e como as emoções e recordações moram também nos detalhes. Em um dos depoimentos que surgem durante a projeção, por exemplo, escutamos a falta que Jacinto (Henrique Vasconcelos) sente em dizer a palavra “mãe”. Enquanto ele conta isso, o quadro está fixo em um rio onde uma mulher se banha.
Uma possível interpretação – dentro deste contexto tão cheio de mensagens diretas, porém com amplitudes de significados pela maneira como são trazidas –, é que a natureza faz parte de nós e continuamos a existir para todo sempre. Em uma das passagens do longa, inclusive, este pensamento é transmitido em um texto sobre longevidade de cada espécie do planeta. Há na produção todo um questionamento sobre a existência e as surpresas, positivas e negativas, que aparecem pelo caminho. Toda esta complexidade que transborda na tela vem de uma aparente consciência de Vasconcelos com o material que ela tem nas mãos.
A começar por sua capacidade de costurar as vivências de cada figura importante para a trama, manejando aspectos práticos da escrita, sem perder a sensibilidade necessária para o universo ficcional que foi criado. A cada passagem temporal, o público conhece mais alguém daquela família: avô, avó, pai, a própria Catarina – aqui chamada de Beatriz – e seu irmão. A confirmação da consciência de sua construção chega ainda dentro do filme, quando Catarina conversa com Henrique sobre suas escolhas de roteiro. “Por que o nome Jacinto?”, seu pai questiona. E ela dialoga com ele, em poucos instantes, explicando alguns detalhes sobre suas estratégias para o roteiro, deixando mais nítido que os elementos selecionados ali não foram por acaso. Talvez, estas informações entreguem um pouco demais sobre o processo de criação, mas isto não diminui a obra. Pelo contrário. Há tanta sutileza, que esta chamada para a realidade palpável fomenta mais a complexidade do filme.
Outra característica importante de ser ressaltada é a decupagem. Os planos compõem os textos falado. É como se o espectador escutasse vozes lendo um livro (ou um diário) e as imagens no ecrã são quase como que criadas pela imaginação. Os enquadramentos mais fechados em olhos e em detalhes do cenário aproximam o público da narração e ampliam esta sensação de que somos nós que criamos com nossa mente a junção de imagens ali montadas. Desta maneira, o resultado geral de A Metamorfose dos Pássaros é intenso e provocativo. Ele desafia quem assiste a se desprender do real, para contar algo que foi, de fato, inspirado na realidade.
Em sua linguagem preenchida de metáforas, há um refinamento imagético, seja pela criatividade em conseguir traduzir o que está sendo dito, sem ilustrar ou reiterar a narração, o maior ganho aqui é a contraposição da forma direta como o texto é escrito e dito, com a poeticidade das imagens. Se algo um pouco incômodo pudesse ser apontado, talvez seria o esgarçamento de suas estratégias e até mesmo da continuidade da história. Em um dado momento, chega uma impressão de que a conclusão passou do ponto.
Na tentativa de não deixar algumas coisas de fora, a dinâmica da obra se torna previsível. Nesta previsibilidade, há uma queda qualitativa e perda do impacto que as mudanças de narrador conseguem realizar anteriormente. Outra questão importante é a exposição excessiva em partes específicas do enredo. Vasconcelos não subestima o seu consumidor na maior parte do tempo. Contudo, certas explicações são repetidas da maneira exaustiva. Ainda assim, não são caminhos que comprometem A Metamorfose dos Pássaros em sua totalidade.
Direção: Catarina Vasconcelos
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