Eros

XIX Panorama Internacional Coisa de Cinema: Eros

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O motel é uma instituição no Brasil, que pode convocar sentimentos múltiplos. Em toda a sua utilidade e impessoalidade, este é um lugar específico para, exclusivamente, em teoria, praticar-se sexo. Ele pode servir aos que têm fetiches ou apenas ser a única opção para muitos casais, trisais, quatrisais etc. Mas, o que moveria o cinema a olhar para essa realidade?

O que há, de fato, neste espaço, é a atmosfera de intimidade, seja ela distanciada e fria ou apaixonada, porém ela existe. E é procurando ilustrar todas as possíveis lógicas de um ambiente voltado para dinâmicas sexuais, que a diretora Rachel Daisy Ellis entrega a agência da narrativa do seu documentário Eros para frequentadores de motéis. Com seus próprios celulares, estas pessoas gravam os momentos íntimos de conversa, transa, confissões, trocas, experiências e suas preferências na cama.

Inicialmente, nota-se a tentativa de Ellis de convocar histórias diversas, com indivíduos de idades, raças, religiões, gêneros e sexualidades distintas. O espectador se depara apenas com um casal homossexual, é bem verdade, porém há no enredo certa pluralidade, incluindo a presença de um rapaz que decide ir sozinho para o motel. Nesta lógica, o ponto alto da obra é essa chance de se ter um contato com o olhar não profissional dos participantes da produção.

O que eles desejam mostrar, performar, focar e enquadrar, fomenta a construção de sentido e a própria interpretação de cada um sobre aquele espaço que é, muitas vezes, mal visto pela sociedade. Ainda que os discursos se afinem de uma maneira geral, há uma argumentação bem particular nos relatos trazidos para o doc. Mas, da mesma forma que este recurso é o que mais se mostra como interessante, é ele que pode deixar o público exausto.

Existe uma repetição na lógica de cada “trama” em Eros. O início, meio e fim são semelhantes demasiadamente e faltou uma mão da edição para repensar o uso dos arquivos recebidos. Porque o agenciamento das filmagens existem, porém o cinema é mais do que apenas gravar imagens. Entre diversos fatores que devem ser pensados para a execução de um filme, a pré e a pós produção são processos fundamentais para a realização e finalização de um produto audiovisual.

Eros

Com isso, a escolha das sequências usadas poderia elaborar uma única história, que se conectasse e criasse uma linha narrativa coesa. Além disso, algumas passagens são menos interessantes que outras. Esta característica revela uma ausência de coragem para excluir certos casais ou o próprio trisal. O tempo de tela usado para reiterar conceitos, impressões e contextos serviria para um aprofundamento de pares com trajetórias e pensamentos instigantes, que seriam bem amarrados entre si, criando, justamente, esta lógica de unicidade.

Porque não apenas a estrutura de chegada ao motel, transa, reflexões sobre o local e uma conclusão sobre aquela vivência do casal/trisal se repete, porém os recursos visuais também.  É bem verdade que os donos da câmera não são cineastas, porém, novamente, com cortes, inserções musicais, correções de cor, enfim, recursos da pós, estes momentos repetidos seriam diluídos e a fruição seria mais orgânica, fluida, sem quebras e retornos para os mesmos horizontes.

Pois o longa-metragem tem, no final das contas, quase duas horas de duração. Falta respiro, prolongamento de alguns enfoques, retiradas de outros, falta mão da equipe que, aí sim, deveria entender sobre audiovisual e suas técnicas. Desta maneira, Eros diverte e aproxima a plateia de um assunto polêmico. Ao convocar figuras comuns para o ecrã, o tema se torna mais acessível. 

A execução, porém, deixa a desejar, por uma ausência de condução maior da diretora e sua equipe. É uma sessão válida pela temática, mas que requer paciência de quem assiste. Para os frequentadores de motel, pode ser um momento de identificação. Para os curiosos, que nunca foram, uma chance de descobrir o que ocorre dentro daqueles quartos, para além do óbvio. 

Mas, é importante lembrar que, em um longa que traz uma quantidade maior de casais, com relacionamentos aparentemente estáveis, e que tem em sua premissa básica trazer a intimidade de um par, através do sexo dentro do motel, falta o íntimo para além do já esperado. Falta saber mais sobre aquela gente que ilustra a premissa de Ellis. Falta tanto a ser dito, que o desfecho da exibição é um tanto frustrante.

Direção: Rachel Daisy Ellis