A primeira vez que tive contato com o trabalho de Grace Passô foi assistindo a peça que ela escreveu: Mata Teu Pai, uma adaptação de Medeia. Saindo do espetáculo, comprei o livro e o li em uma sentada. Um ano depois, na abertura do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema, visito um projeto seu novamente, porém agora a vendo como atriz, em Temporada. Mais uma vez, Passô me deixou de queixo caído, mostrando uma interpretação cheia de camadas, refinada e cuidadosa. A sua atuação é o ponto alto de um filme sensível, de roteiro amarrado e direção precisa, que recebeu cinco prêmios no Festival de Brasília deste ano, incluindo, obviamente, o de Melhor Atriz.
Temporada mostra a trajetória de Juliana (Passô), uma mulher que acaba de se mudar de cidade, pois passou em um concurso público para trabalhar na área de combate à endemias, em Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte. Dentro de todas essa novidade na vida da funcionária pública, ela espera o marido ir encontrá-la, enquanto faz novas amizades e sua forma de se relacionar com as pessoas.
O mais impressionante deste filme é forma como o diretor e roteirista André Novais Oliveira (Ela Volta na Quinta) consegue imprimir um tom cotidiano e ultra naturalista nas interpretações dos atores, no texto e ambientações, mostrando diversas discussões sociais importantes e fortes, como as más condições de salário dos brasileiros, as dores e a solidão da mulher negra, a precariedade de muitas casas, a aglomeração de residências em um só bairro, em pouco tempo, devido ao fato das autoridades terem retirado muito cidadãos de seus lares originais.
Todo este debate é posto com delicadeza, com equilíbrio entre tensão e alívio. Novais mescla um acontecimento profundo e intenso da protagonista – sem spoilers – com cenas seguintes dela se divertido com o novo amigo Russão (RussoApr), que é o alívio cômico dentro da narrativa e rouba muitas cenas com seu carisma e seus trejeitos corporais, que trazem movimentos fluídos e graça para a cena.
Outro ponto de destaque é a sensibilidade do diretor numa cena romântica de Temporada. Entre planos médios e plongês, ele mostra uma Juliana entregue e confiante, muito mais segura de si do que no início da exibição. A iluminação e a fotografia de Wilssa Esser (Filme-Catástrofe) contribuem para a sensação de proximidade com protagonista e o clima mais quente da cena.
Por fim, vale trazer aqui a explicação sobre o enaltecimento da atuação de Grace Passô na projeção. A artista deixa o texto fluir, como se o próprio fosse expelido naturalmente de seu corpo. Os gestos, combinados com as pausas, o riso sem jeito de Juliana e a forma como ela mexe a cabeça como se lembrasse de algo, compõe as sequências e trazem uma proximidade da figura ficcional com o público de tal forma que você pode sentir que está dentro da trama, ouvindo e se sensibilizando com o problema de uma mulher real, que está do nosso lado sempre, como uma amiga, namorada, irmã, prima etc. Juliana é de carne e osso, come o salgado e dá um pedaço para o cachorro, come Gula com pinga, deita e espera a mensagem de seu marido chegar, dorme e perde a hora para o trabalho. Cada detalhe da composição de texto e direção de André Novais Oliveira e de interpretação de Grace Passô são um fomento para a construção da realidade apresentada durante os 113 minutos de duração de Temporada.
Assista ao trailer!