O australiano Julian Assange foi uma das figuras mais controversas da última década. Fundador do WikiLeaks, organização que publica em um endereço da Internet informações sigilosas de governos e empresas fornecidas por fontes anônimas, Assange deu início a discussões sobre a confidencialidade e a vigilância em tempos nos quais os jornais não têm a primazia da informação e esta pode ser fornecida não apenas por aqueles que detém o controle de grandes grupos de comunicação, mas por qualquer cidadão. O que permanece é um corolário, informação é poder. E com isso em mente e sua página do WikiLeaks a todo vapor, Julian Assange cravou o seu nome no debate internacional ao tornar públicos, por exemplo, uma série de relatórios norta-americanos que revelavam a morte indiscriminada de civis durante as ações dos EUA no Afeganistão e no Iraque.
Não demoraria muito para que produtores de cinema se interessassem pela história de Assange e da origem do WikiLeaks, sobretudo depois dele tornar-se um dos homens procurados pela Interpol com duas acusações de estupro nas costas e de correr o risco de ser extraditado para os EUA e acusado de espionagem, fraude e abuso de computadores pela Justiça norte-americana após perder a cidadania sueca. O porta-voz do WikiLeaks mobilizou defensores da liberdade ao acesso de informações oficiais, que levantam a bandeira de que o site contribuiu para desmascarar determinadas ações escusas dos governos de diversos países, mas também inspira seus “inimigos” a contestarem seu discurso de messias do século XXI e os reais benefícios desse escancaramento de informações. O responsável por cuidar desse “pepino” é o diretor Bill Condon, que popularizou-se com os três últimos filmes de Crepúsculo, mas que antes disso fez Deuses e Monstros, Kinsey, o musical Dreamgirls e cuidou do roteiro do vencedor do Oscar Chicago.
Podemos dizer que Condon ficou completamente perdido diante de tamanho “abacaxi”. A condução de O Quinto Poder, nome do filme em questão e que chega no Brasil diretamente para o mercado doméstico, tendo uma recepção decepcionante nos cinemas dos EUA, é complexa e espinhosa. Existem diversas demandas que os seus envolvidos devem administrar: a própria narrativa, desembaraçando um gigante novelo que se forma em torno da sua trama de espionagem global; a construção do seu personagem central em toda a sua natureza controversa, o que o diretor e o roteirista parecem deixar completamente nas mãos do incrível Benedict Cumberbatch; e, por fim, a relação da obra com o espectador, apresentando uma história complicada como essa de maneira didática, mas sem subestimar o seu público. Assistindo o resultado final de O Quinto Poder, a impressão que temos é que Bill Condon e seu roteirista Josh Singer ficaram completamente desnorteados com tantas exigências naturais ao projeto e trazem para a audiência um filme confuso, sem personalidade definida e com personagens trabalhados nas suas superfícies ou estereótipos.
O projeto adota como fonte de inspiração o livro de Daniel Berg, um dos colaboradores de Assange no WikiLeaks e que desvinculou-se do site por divergências com a forma como o australiano conduzia a organização. Berg é interpretado aqui pelo competente Daniel Brühl, que faz um trabalho digno e coerente como contraponto a Assange, ele mostra-se como um homem fascinado pelo poder da informação, mas temeroso pelas ambições do seu parceiro de trabalho. No entanto, é claro que as atenções recaem para o Julian Assange de Benedict Cumberbatch que está muito interessante ao retratar o fundador do WikiLeaks como uma figura antisocial, de ética questionável, mas de passado doloroso. Cumberbatch trabalha muito bem os elementos externos do personagem, como voz e expressão corporal, mas principalmente os recursos internos dele, sobretudo os seus sentimentos conflituosos, sua difícil relação com o “outro” e seu temperamento imprevisível. É uma pena que o roteiro de Singer não ofereça a esse ator que em poucos anos fez trabalhos tão interessantes um tratamento mais refinado para a personalidade de Assange. A impressão que temos é que Cumberbatch fez o possível com o material que tinha em mãos e só não avançou mais em função dessas limitações do filme. Há ainda participações pontuais de atores como Laura Linney (ótima), Stanley Tucci, Peter Capaldi e David Thewlis como personagens que transitam na órbita de Assange para caçá-lo pelo temor do seu poder ou tê-lo ao seu lado pelo fascínio que ele exerce.
No fim das contas, a impressão que temos é que O Quinto Poder é o filme de um homem só, Benedict Cumberbatch, que só não decolou ainda mais com sua composição nesse projeto pelos freios e pela maneira desnorteada como a trama é conduzida pelo seu diretor e por seu roteirista. Determinadas reflexões que poderiam ser discutidas e que foram suscitadas ao longo da década passada e do início da atual sobre o WikiLeaks foram sufocadas pela inabilidade dos responsáveis pelo filme, que preferiram dar espaço a tradicional narrativa cronológica dos fatos e tiveram medo de adentrar com mais profundidade na personalidade de Assange, a grande chave das indagações sobre a ética do veículo. No final, Condon e Singer tentam se justificar intercalando uma reprodução de uma entrevista de Assange, interpretada por Cumberbatch, com a narração da atual situação dos personagens. Nela, o Assange de Cumberbatch diz que essa história não é sobre ele, mas sobre nós, ou seja, sobre a forma como somos manipulados e vendados por governos. É uma fagulha, um lampejo para o que Bill Condon poderia ter feito – e sabemos que ele tem capacidade pela sua filmografia – e não fez em O Quinto Poder.