Um palco traz consigo uma multiplicidade fora do comum. Diversos corpos, vozes e movimentações podem ser montadas e performadas. Aqui em Vaga Carne, o que se consegue imprimir vem, principalmente, das escolhas de mise-en-scène, iluminação e atuação. Estes elementos são chaves para uma obra coesa, que sabe explorar a riqueza dos espaços cênicos e das interações possíveis. Um dos pontos altos disto é algo que poderia ser bastante complicado e ineficaz, mas que este média-metragem consegue entregar com destreza, é a sensação de que se está dentro de um teatro, vendo, de fato, uma peça.
Vaga Carne é uma adaptação do espetáculo homônimo, também estrelado e escrito pela Grace Passô – que faz sua estreia na direção, ao lado de Ricardo Alves Jr (Russa). Algo que que chama atenção neste trabalho é a capacidade de evocar tantas imagens, sensações e metáforas dentro de certa simplicidade em sua estética. O texto é tão forte e interpretado de maneira intensa e isto engrandece a produção. A forma como Passô colore as palavras e trabalha as intenções é sempre impressionante e aqui não é diferente.
Ela dá o ritmo da cena, através de suas quebras e acelerações. Os tons vão se modificando, enquanto Passô desenvolve sua linha de raciocínio. A sua atuação vem cheia das marcas qualitativas, vistas durante a sua carreira. Quando tem espaço para tal, Passô carrega na sua construção uma mescla de inspirações que remete a interpretações shakesperianas com traços do que se é visto na contemporaneidade no cinema. Isto porque ela utiliza uma tonicidade e enraizamento que podem ser vistos em encenações como Rei Lear e Macbeth.
O trágico imprenso em um corpo rígido que parece querer explodir. Mas, o realismo, tão caro ao audiovisual, também está ali e ela conversa com a câmera com seus olhares pulsantes, seus distanciamentos e afastamentos. O seu corpo é preciso e os gestos limpos. Eles estão ali e não sobram, porque a sua partitura é consciente e revela esta habilidade de Grace em articular o que vai ser dito com o como o vai ser feito.
Nestas sequências de solilóquios de Grace, que deixam o público sem ar, o equilíbrio de suas explosões e contensões tão intensas é encontrado através da escolha em colocar uma plateia participante, que interage com a protagonista. Os planos nestas figuras, majoritariamente, são fixos, quase neutros. Desta maneira, a forma de ler estes olhares fica muito mais para quem assiste, o que cria uma complexidade maior para a narrativa.
Outro elemento que fomenta as emoções da personagem principal e do que ela deseja passar é a iluminação. A luz amplia e reduz o espaço, num jogo que transforma aquele local em vários. O rosto de Passô também ganha com esta estratégia, pois há uma seleção do que será revelado. Juntamente com isto, a decupagem reforça esta escolha. Assim, cada plano contribui para o enredo de Vaga Carne e, ao mesmo tempo, pode parecer uma outra história, dando fôlego para a obra.
Quando se aproxima do desfecho, há uma leve queda rítmica em Vaga Carne. Algumas repetições de ações e falas criam certo cansaço. No entanto, o encerramento é tão surpreendente que esta pequena falha não compromete o resultado total. O desfecho da projeção consegue fechar o ciclo, amarrando o discurso e deixando com que o argumento realizando durante os 40 minutos de projeção seja fortalecido.
Direção: Grace Passô e Ricardo Alves Jr
Elenco: Grace Passô, Zora Santos, André Novais Oliveira
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