O Que Há em Ti

Festival de Gramado: O Que Há em Ti

4.5

“Bolsonaro, você não é presidente mais”. A frase que todes desejam dizer e escutar foi dita por um haitiano, até então anônimo, em uma manifestação pró-Bolsonaro, em 2020, em meio a, até então, recém crise da pandemia do coronavírus. É com este ponto de partida, que o cineasta Carlos Adriano (Militâncias) traz em seu cinepoema O Que Há em Ti um retrato duro sobre acontecimentos políticos e sociais acontecidos no Haiti, juntamente com a responsabilidade do Brasil na Minustah, Missão das Nações Unidas, que possuía, teoricamente, o objetivo de pacificar o local.

Ficando em missão por lá de 2004 até 2017, as tropas brasileiras causaram forte impacto no país, por terem praticado múltiplos massacres. Dentro deste contexto, Augusto Heleno, o atual ministro-chefe do gabinete de Segurança Institucional, do governo de Jair Bolsonaro, fora, na época um dos comandantes na Minustah. É a partir destas informações ofertadas durante a projeção que a compreensão sobre o presente e o passado se encontram.

Aqui, tem-se uma provável explicação direta da presença do misterioso haitiano no Palácio da Alvorada: a sua mãe fora assassinada em na Operação Punho de Aço, em 2005, comandada por Heleno. Para explicitar o grau de tanta dor e desmazelo, Adriano mescla imagens de arquivo extremamente fortes, nas quais são vistas amplas referências, desde a própria chacina em Cité Soleil, em 2006, até a Revolução Haitiana.

Ao mesmo tempo, o diretor traz músicas nacionais e passagens que ilustram um pouco da cultura do Haiti. É neste equilíbrio de engasgo e relaxamento que está a força do curta-metragem. Este documento histórico e provocativo, que convoca o espectador a compreender a complexidade do que está sendo mostrado, bem como as mazelas dos dois países tão imbricados e até comparados na famosa canção de Gilberto Gil (“O Haiti é aqui”), tocada também na exibição.

São nestas comparações, nestas idas e vindas que Adriano consegue entregar um resultado criativo e, ao mesmo tempo, potente. A ausência de uma linha temporal “lógica” contribui mais intensamente para elevar a força do que está sendo mostrado. A repetição da fala do haitiano, juntamente com as consequências da Minustah e o histórico do Haiti se complementam.

Há uma consciência de O Que Há em Ti de que cada circunstância foi precedida de ações anteriores que levaram a consequências posteriores. Relembrar o antes e o agora faz com que o futuro seja imaginado e todo o discurso ali proferido ganhe uma coerência mais incisiva. No final da sessão, a sensação é de ter presenciado uma poesia coberta de sangue e uma provável esperança vinda da cultura. Talvez.

Direção: Carlos Adriano