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Foto: Felipe Souto Maior/AG News

Festival Cinepe 2023: Entrevista com Caio Blat, homenageado com a Calunga de Ouro

Escolhido para ser o grande homenageado da 27ª edição do Cine PE – Festival do Audiovisual, Caio Blat recebeu a Calunga de Ouro no dia 05 de setembro de 2023, aos 43 anos. Para entregar o troféu, subiu ao palco do Teatro do Parque, em Recife, o cineasta Cláudio Assis, com quem o ator trabalhou em Baixio das Bestas. Com produções na TV, no teatro e no cinema, Caio iniciou sua carreira ainda na infância, estrelando em comerciais, seguindo depois para as novelas, peças e filmes.

Durante sua fala, o intérprete revelou estar contente, mas surpreso com o prêmio, por sua pouca idade. Logo após o seu discurso, o Cine PE exibiu o novo curta-metragem com Caio, chamado Travessia, dirigido por Gabriel Lima. “Quando falaram que iriam me homenagear, eu disse: então, eu quero mostrar um trabalho novo, quero mostrar um filme inédito”. Ele é um curta que a gente acabou de fazer, que a gente acabou de mostrar em Cannes, mostrou em Roma. Esta é a primeira vez que ele vai passar no Brasil, vai ser no Cine PE”, explica Caio.

Já na manhã seguinte, o celebrado deste ano participou de coletiva de imprensa, na qual respondeu atentamente a todos. Narrando um pouco sobre sua experiência de vida e de profissão, Blat descreveu um pouco sobre sua nova jornada na direção e seu processo como curador no Festival de Gramado. Após todas estas atividades e de uma coleção de curiosidade que surgiram ao escutar Caio Blat falando sobre sua trajetória artística, o entrevistamos na área da piscina do Hotel Beach Convention by Hôm, em Boa Viagem, para matar algumas destas dúvidas, que renderam um bom papo.

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ENTREVISTA

 

Enoe Lopes Pontes – Então, você estava falando, agora na coletiva, sobre sentir que essa homenagem é precoce e eu fiquei pensando muito sobre o que você disse no vídeo que foi mostrado ontem à noite, sobre você ter demorado para ter o rosto de um homem mais velho (risos). Como você, que praticamente esteve a vida inteira na sua profissão, enxerga essa visão que você tinha de si, dessa expectativa que você tinha antes, com o que você se tornou atualmente, como ator, artista e homem?

Caio Blat – Sim. Eu acho que é isso, é um processo natural. Eu tive o privilégio de frequentar muitos sets importantes, de muitos cineastas incríveis, de aprender muito com eles. Então, eu acho que é muito um processo. Eu vi o Selton Melo falar isso, que é um processo natural, porque você vai ouvir tantas opiniões, aprendendo tantos jeitos de filmar e é como se você fosse criando a sua própria linguagem, fosse maturando. E chega uma hora que você tem que falar também, assumir este protagonismo de dirigir também, de propor ideias. E é incrível que isso aconteceu no mesmo ano do Lázaro Ramos, que também é um cara que cresceu comigo na profissão, e do Wagner Moura, que também é um cara que cresceu comigo, filmamos sempre juntos. Então, nós três lançamos todos filmes no mesmo ano, todos com temática política. Então, eu acho que é um processo natural do nosso discurso, da nossa visão artística, da nossa visão política, o acúmulo de experiência, com tantos sets, com tantos diretores diferentes. Aí, chega uma hora que a gente também quer fazer, quer também falar, quer também dar opinião. 

ELP – Uma outra coisa que me chamou atenção é que você contou que em seu processo de atuação você fica na personagem e isso funciona muito quando a gente está falando de atuação para cinema. Mas, como acontece isso, principalmente quando você vai para o teatro, por exemplo, que você tem que repetir várias vezes o mesmo espetáculo. Ou, então, como ocorre este processo entre um set e outro? Isso reverbera em seu corpo de alguma maneira?

CB – Eu acho que este é um processo de contaminação. Você entra numa personagem e vai se contaminando com o olhar dele, com o pensamento dele, com a posição social dele. Como quando eu vim para cá ficar com Claudão (Assis), ficar na Zona da Mata, e eu fazia um agroboy. Eu ficava vendo os boys passando de caminhonete, passando de moto, tirando onda, ficava ouvindo histórias, ia procurar nos bares. Então, o dia inteiro você vai se contaminando deste ambiente, desta cultura, vai ouvindo o sotaque. Então, não tem corta e ação, o tempo inteiro você está se contaminando, imaginando o que o personagem faria ali, o que ele pensaria ali, onde ele estaria, como ele se comportaria naquele momento. E aí, quando liga a câmera, você já tá contaminado desse ambiente, desse lugar. Eu gosto muito de trabalhar assim, com preparação. Trabalhei com vários preparadores, nesse sistema também, quando, por exemplo, eu fui filmar Bróder, no Capão Redondo, em São Paulo. Eeu aluguei uma casa lá, eu ficava com os moleques, eu andava no meio da rua, eu ouvia histórias . Por exemplo, muitos meninos lá que optam pela vida do crime, por exemplo, e às vezes a gente estava andando na rua, alguém chamava para uma conversa e você via que os meninos estavam indo assaltar ou estavam indo participar de um negócio. Então, era uma coisa assim natural para mim na vida da comunidade, os meninos que optam por essa vida, que é como a vida da personagem. Então, eu estava fazendo a personagem e convivendo no lugar onde ele teria crescido, com os amigos onde ele teria crescido e convidaram ele para entrar para um assalto, para alguma coisa assim.

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Foto: Felipe Souto Maior/AG News

ELP – Sim, sim.

CB – Então, você vai mergulhando nesses lugares, porque a vida de ator tem desses privilégios, essa pesquisa, esse mergulho, de conhecer lugares da sociedade onde talvez não conheceria com outras profissões, como Carandiru, por exemplo, que não existe mais. Ele foi implodido, virou um parque enorme, mas a gente teve lá dentro das celas, daquele lugar onde aconteceu aquela chacina. A gente conheceu a vida daquelas pessoas, a gente registrou. Aí, no momento seguinte, você vai para Cannes mostrar isso, um lugar totalmente oposto, num lugar cheio de glamour, em um ambiente totalmente diferente. Então, o ator faz essa ponte com a sociedade, ele mergulha em buracos, em lugares específicos, absorve e se contamina daquela cultura e, depois, leva o resultado que fica eternizado. Então, é um trabalho muito legal, que constrói a identidade do país, que constrói a história do país, reconta a história do país. Então, eu me sinto muito privilegiado com essa profissão.

ELP –  Entendi. Bom, pegando já um gancho para a terceira pergunta, você falou sobre agora sobre Cannes, mas, falando sobre os festivais do Brasil, você foi curador em Gramado agora, e está aqui hoje no Cine PE e estava com Luísa (Arraes) em Vassouras. São festivais de regiões diferentes dos país. Assim, como você enxerga, como uma pessoa que já frequentou muitos festivais, os festivais brasileiros em toda sua pluralidade, tanto no que a gente passou nos últimos anos e como estamos agora, como você vê a importância, a relevância dos festivais do Brasil?

CB – É isso, cada festival tem sua identidade, tem a sua cultura local. Gramado valoriza muito os filmes gaúchos, tem uma sessão só de filmes gaúchos. Ontem, a gente teve uma sessão só de filmes pernambucanos e Vassouras mostrou os filmes do Vale do Café. Então, a gente vai aprendendo sobre as diversas culturas, sobre as diversas regiões. Ao mesmo tempo, trazendo filmes de fora para ali, promovendo essa troca, esse debate. Os festivais de cinema são muito gostosos por causa disso, dessa troca. Você encontra pessoas que você não encontraria por aí, vê filmes inéditos, diferentes, vê curtas que são muito importantes para ver o que a galera jovem está fazendo, o que a galera das universidades tá fazendo, são sempre muito provocativos. Então, são ambientes deliciosos de troca, de conversa. Ao mesmo tempo, você encontra veteranos, encontra os críticos, encontra O Merten*.

ELP – Sim, verdade.

CB – Então, os festivais são sempre lugares para você aprender, ver o que está de novo surgindo, conhecer uma cultura local, trazer coisas de fora. São grandes pontos de encontro, são importantíssimos. O nosso cinema está sempre batalhando por janelas, por cota de telas. Então, os festivais são muito importantes para isso, para promover a nossa produção, para dar uma primeira janela inédita para filmes novos, curtas, como o Travessia ontem. 

ELP – Inclusive, gostei muito do curta. Parabéns. Bom, para finalizar, uma pergunta um tanto clichê, mas que eu acho relevante. Você já tem muitos anos de trajetória, têm coisas que você ainda acha que são sonhos, que talvez sejam até distantes, inspirações, coisas que você ainda quer muito fazer?

CB – (risos). Muita coisa! Tem muita coisa! Tem muita gente que eu quero trabalhar ainda. Eu gosto muito de viajar o país. Então, eu adoro quando vêm convites de longe, de outras regiões, outros estados, ter que aprender outro sotaque. É uma coisa que me motiva muito também. E quero filmar por aí, quero fazer filme pra molecada. É uma coisa que eu tenho sonho. Eu queria fazer A droga da obediência, do Pedro Bandeira. Eu acho que é uma coisa que é muito pouco valorizada, que é o cinema pra crianças e pra adolescentes, que é um público muito importante para ser formado pelo cinema brasileiro e para ter uma atenção especial. Então, eu sempre penso em projetos para a molecada e é isso aí.

*Luiz Carlos Merten, do Estadão

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