Como de costume, os indicados para a categoria mais importante do Oscar são extremamente diferentes em temáticas, abordagens e gêneros. A edição de 2018 tem algumas características que vão além dessa variedade usual. Nunca houve uma lista de indicados na categoria de “Melhor Filme” com uma representatividade tão grande. Mas por que isso? Talvez porque a Academia finalmente entendeu que ela precisa desconstruir seus preconceitos e seu jeito conservador. Ou talvez porque não aguente passar por mais uma avalanche de críticas como aconteceu durante a premiação em 2016 com a tag “#OscarSoWhite”. Seja pelo motivo que for, a 90ª edição dá visibilidade para os que ainda lutam para falar em alto e bom som.
Os filmes mais antigos a serem indicados nessa categoria foram os trabalhos de Christopher Nolan e Jordan Peele. O primeiro diretor trouxe para as telonas, mais uma vez, suas cenas de impacto com a presença de apetrechos sonoros ensurdecedores. Não fugindo do usual, Nolan segue sem conseguir tocar o público de outras formas que não sejam o som ou as suas cenas brilhantes de ação. Para ganhar um prêmio como esse, contudo, é preciso muito mais do que sequências de guerra eletrizantes com uma mixagem de som fantástica. Dunkirk é, portanto, o filme menos cotado dentre os competidores. Já a produção da Blumhouse, Corra!, é um trabalho primoroso. Peele se mostrou muito talentoso em sua estreia como diretor. Ele, ao contrário de Nolan, conseguiu entregar ara o espectador o que foi proposto pelo filme e muito mais. Um thriller psicológico que honra o verdadeiro terror que faz as pessoas saltaram da cadeira de medo. Com interpretações incríveis e uma narrativa envolvente e inteligente – uma vez que a essa é incumbida de uma crítica social absurda – a estreia de Jordan Peele se põe como um dos favoritos.
Dois outros concorrentes são cinebiografias. Um dos relatos biográficos é sobre Churchill e sua ascensão como Primeiro-Ministro britânico durante um dos períodos mais conturbados da II Guerra Mundial. Dirigido pelo artístico Joe Wright, O Destino de Uma Nação é uma obra que emociona gerações ao narrar os acontecimentos históricos que assombraram o mundo durante a Segunda Guerra. Através do estilo único de Wright, a estética do filme é construída de uma maneira impecável e, atrelado a isso, o elenco majestoso faz com que o longa-metragem ganhe ainda mais força. Gary Oldman estava simplesmente magnífico em sua performance como Churchill.
A outra narrativa baseada em fatos reais conta o processo de luta pela liberdade de imprensa nos EUA durante a Guerra do Vietnã, uma vez que o mundo teve acesso a aterradora verdade sobre a fracassada investida americana. Spielberg, Meryl e uma temática feita para incomodar um governo com atitudes tirânicas. Essa é uma singela dissecação acerca do grandioso The Post – A Guerra Secreta e como ele foi construído. Sob o comando do brilhante Steven Spielberg e estrelado pela extraordinária Meryl Streep, o longa tem uma função social e política. Ao relatar os acontecimentos que levaram à luta pela liberdade de impressão, o filme traz a memória de uma nação que passa por uma situação muito semelhante. Com 40 anos separando a ficção da realidade, um outro presidente dos EUA tenta impedir que o jornalismo cumpra com sua função social. A obra de Spielberg é uma linda forma de relembrar ao mundo sobre a nobre jornada jornalística pela procura dos fatos para contar a verdade.
Um dos indicados mais polêmicos foi Trama Fantasma, película escrita, produzida e dirigida pelo gênio Paul Thomas Anderson. Apesar da estética perfeita – coisa comum nos filmes de Paul Thomas – resultado apresentado pelo diretor foi abaixo do esperado. A narrativa do filme se mostra incompleta diante da temática proposta. O que poderia ser um drama fortíssimo sobre relacionamentos tóxicos, se torna um show de ego e obsessão entre as personagens de Daniel Day-Lewis e Vicky Krieps.
Além de Corra!, outro ponto de representatividade é o filme da estreante Greta Gerwig. Lady Bird – A Hora de Voar é uma obra fílmica dirigido e roteirizado por uma mulher, com duas mulheres estrelando a trama e uma temática que mostra todo o poder delas. Como um relato de um diário, a produção da A24 encantar o público por sua simplicidade e verdade transmitida em cada cena. Com as atuações de Saoirse Ronan e Laurie Metcalf, Lady Bird é uma mostra do talento de Greta, além de ser uma forma de fundamentar a luta pela igualdade que está acontecendo em Hollywood, afinal Greta Gerwig se mostrou mais talentosa e capaz do que muitos que já tiveram espaço no universo da sétima arte.
O ápice da representação está no lindo filme Me Chame Pelo Seu Nome, dirigido por Luca Guadagnino e inspirado no livro de André Aciman. A história de descoberta e desejo do jovem Elio (interpretado magistralmente por Timothée Chalamet) ao se relacionar por Oliver (vivido por Armie Hammer) é uma delicada e emocionante história de amor. O espectador se sente tocado ao ver cada uma daquelas belíssimas sequências com as cidades italianas como pano de fundo. Um filme muito diferente do que o que a Academia costuma validar, mas a magnitude de sua qualidade artística é muito maior do que qualquer preconceito existente entre o conselho da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.
Por fim, as duas películas que faltam são os queridinhos do Oscar 2018. Três Anúncios Para Um Crime, de Martin McDonagh, e A Forma da Água, de Guillermo del Toro, foram apresentadas de forma primorosa. A perfeição de ambas as películas em todos os aspectos cinematográficas torna elas as concorrentes diretas pela estatueta. O filme de McDonagh é um drama sátiro que tem como atriz principal a extraordinária Frances McDormand incorporando o símbolo americano do feminismo (Rosie, “the riveter), num lugar onde o cenário de fundo ainda critica o racismo enraizado nos estados sulistas dos EUA. O simples fato de unir essa atriz sem igual num cenário como esses e deixá-la fazer o que só ela sabe é o suficiente para se imaginar a garra, inteligência e relevância que está incumbida na história. O conjunto roteiro, elenco e temática tornam esse filme o favorito para ganhar a estatueta mais cobiçada da noite de domingo. Sem sombra de dúvidas esse trabalho pôs McDonagh em um outro patamar de criatividade.
O concorrente direto de Três Anúncios Para Um Crime é o conto de fadas sombrio de del Toro. Dessa vez com uma história de amor improvável, Guillermo encanta o público com a beleza ofuscante de seu universo fantástico e suas criaturas. O seu longa funciona como uma belíssima homenagem aos marginalizados pela sociedade. Com todo o talento e visão do diretor mexicano, A Forma da Água se tornou uma das suas obras mais belas e perfeitas. A delicadeza e sensibilidade presentes na película tornam ela uma obra prima da sétima arte. Quando um filme é dirigido e roteirizado por um mexicano; tem suas personagens principais sendo uma muda, um gay, uma negra e uma criatura não-humana e todos eles são representados com tamanha força, significância e representatividade; e esse mesmo filme ainda ganha um espaço absurdo num mundo onde ainda há, infelizmente, tanto preconceito, essa obra merece um destaque estratosférico. Afinal, num ano de tanta luta e podridão sendo exposta, temáticas como essas são fundamentais. E seja qual for o vencedor da noite do dia 4 de março, o universo cinematográfico estará ganhando um legado muito maior do que mais um registro de vencedores; ele estará dando um passo para um futuro melhor.