Está em cartaz a nova versão da obra Adoráveis Mulheres. Baseado no livro homônimo de Louisa May Alcott, a direção e a adaptação da produção fica por conta de Greta Gerwig (Lady Bird – A Hora de Voar). A história original, que foi escrita no final do século 19, já obteve, anteriormente, diversas versões para o audiovisual, incluindo animações e filmes para TV e para o cinema, sendo dois mudos, em 1917 e 1918, e três falados, em 1933, 1949 e 1994.
Algo que segue sendo cada vez mais comum e crescente a cada revisita para a trama é a escolha de um elenco poderoso. Pensando nisto, o Coisa de Cinéfilo resolveu elaborar um especial As Protagonistas de Adoráveis Mulheres que reunisse uma breve comparação das atuações das personagens principais – a mãe e as suas quatro filhas – tentando ver o que muda entre as atrizes e as mudanças das construções dos papéis de uma época para outra. Como existem vários remakes, não estarão listados todos os longas. O olhar sobre a protagonista, Jo March, será mais amplo, considerando as interpretações de Katherine Hepburn (1933), June Allyson (1949), Winona Ryder (1994) e Saoirse Ronan (2019).Para o restante do elenco feminino, serão relacionadas as performances de 1994 versus as de 2019, justamente por serem as refilmagens mais recentes.
Confira!
Jo March
A principal diferença entre as interpretações de Jo está no tom dado para a mesma. A característica principal da personagem é que ela é uma mulher de espírito livre e amante da escrita. Com o passar do tempo, esta característica foi se intensificando e seu foco em ser escritora também. No entanto, o nível de doçura, ingenuidade, aspereza e assertividade se mesclaram pelas gerações.
Em 1933, Katherine Hepburn (A Costela de Adão), opta por fazer o amadurecimento em seu papel por uma via corporal, começando com um jeito mais “moleca”, de garota que sobe em árvores e pula muros, faz gestos grandes e assovia etc, até se transformar em alguém mais adulta e consciente, de postura mais centrada. Contudo, não perde em nenhum momento o olhar gentil, que permanece durante toda projeção.
Em 1949, June Allsyon (Música e Lágrimas) acrescentou uma dureza para a protagonista, que retira um tanto da empatia construída por Hepburn, por exemplo. A sua Jo é mais durona, firme e até um tanto rude. Talvez, a sua atuação peque por esquecer do laço de ternura que a personagem sempre mantém com suas irmãs, desejando a felicidades delas, ainda que esteja em profundo aborrecimento com as mesmas.
Em seguida,em 1994, existe a criação de Winona Ryder (Os Fantasmas se Divertem), que foi uma espécie de musa nos anos 1990 e com muitas mocinhas rebeldes na filmografia. Ainda assim, aqui, ela imprime a Jo mais doce de todas! Apesar disto, ela não perde algo central no que Alcott parece desejar transmitir: o elo que une a família, o amor pela literatura e a falta de desejo em seguir as regras impostas por sua época. Ryder traz um jeito meio atrapalhado, adolescente e até tímido, revelando uma menina mais sonhadora e apaixonada – por sua escrita, claro.
Por fim, a versão de Saoirse Ronan (Desejo e Reparação) parece misturar todas as outras características criadas pelas outras atrizes. Ronan traz elementos físicos que enaltecem a personalidade forte de Jo March, principalmente no jeito como corre ou empurra e bate em seu vizinho Laurie (Timothée Chalamet). Mas, ela não esquece de empregar texturas e movimentos que lembram os trejeitos da adolescência.
Com isso, a intérprete demonstra, na hora de “colorir” o texto, entonações emburradas típicas desta idade. No entanto, Ronan deixa a suavidade de lado e acaba abandonando um pouco da característica presente em Jo March, que é o de ser uma aventureira que sonha, que vive imersa nos livros e por isso uma sensibilidade artística. No geral, pode-se notar facilmente que são múltiplas visões de uma mesma figura ficcional e a preferência pode acabar ficando na identificação que o público pode vir a ter.
Amy March
A principal distinção entre a Amy da versão de 1994 e a de 2019 encontra-se no fato do filme da década de 1990 possuir duas atrizes para interpretar a personagem: Kirsten Dunst (Entrevista com Vampiro) e Samantha Mathis (Psicopata Americano). Em 2019, a obra conta “apenas” com Florence Pugh (Midsommar: O Mal Não Espera a Noite), que para diferenciar a passagem de idade utiliza simplesmente a sua interpretação, preenchida de transições corporais e vocais, que sinalizam o seu amadurecimento. Quando se compara o tom que Dunst dá para seu papel, é possível notar certa equivalência em suas escolhas com as de Pugh. O público pode ver uma menina um tanto birrenta e infantil, pois ela é mostrada em sua primeira fase, por assim dizer, como uma criança que deseja e precisa de atenção.
O que muda na produção de Greta Gerwig, e isto é um grande mérito do longa, é a transformação impressionante passado por Amy. Florence Pugh demonstra consciência completa de sua criação e do que deseja performar na tela, revelando as fragilidades, seguranças e crescimentos de Amy March. É difícil comparar este desempenho com o de Mathis, que deixa a sensação de ter buscado uma visão mais comum para o papel. O que ela traz é a procura por um tom de realeza e uma postura distanciada das coisas, o que provoca uma impressão clara de que Amy cresceu, mas não que ela está amadurecida como pessoa, deixando a visão sobre ela um tanto rasa.
Meg March
Trini Alvarado (Uma Lição de Amor) entrega uma Meg mais serena e amadurecida, na versão de 1994. Ela é claramente a irmã mais velha que, apesar dos conflitos internos, tem uma tranquilidade de quem já viveu um pouco do que as irmãs. A impressão que Emma Watson (A Bela e a Fera) passa é um tanto distinta. Ainda que a característica de ter mais idade e querer fazer parte da grande sociedade estar nas duas Meg March, a forma de externalizar isto corporalmente e verbalmente é diferente.
Watson emprega algo mais intenso e dramático – no sentido de engradecimento das emoções. Não que sua performance vá para algo histriônico ou qualquer coisa do tipo. Mas, é possível ver porque a jovem poderia, por exemplo, seguir a carreira de atriz, pois ela tem dentro dela uma vontade de expressar seus sentimentos para que todos sintam também. Emma revela um olhar sonhador e romântico e uma inocência que vai se transformando em maturidade e compreensão sobre a vida, o que a deixa com mais camadas, passando uma transformação de caráter e personalidade.
Beth March
Um traço importante sobre esta personagem é que ela precisa evocar empatia do público, devido ao desfecho que ela tem na trama. No filme de 1994, Claire Danes (As Horas) consegue alcançar este intento. Além de construir sua personagem num tom diferente das irmãs, que é uma característica central de Beth March, ela traz uma profundidade para o papel, ao criar gestuais contidos e olhares marejados ou menlancólicos. É como se sua Beth não pertencesse a este mundo e este é um grande feito de Danes.
Já Eliza Scanlen (Babyteeth) faz uma Beth mais reservada, menos transparente. A sua construção passa por uma espécie de doçura e melancolia, traços importantes de Beth March. No entanto, talvez na tentativa de retirar a proximidade de Beth com as irmãs, ela tenha retirando um pouco um peso que a garota possui, diminuindo certos impactos presentes na obra.
Marmee March
Nos dois longas, as atrizes escolhidas foram nomes grandes e importantes. Em 1994, Susan Sarandon (Thelma e Louise) faz o papel da matriarca da família. Ao contrário de Laura Dern (História de Um Casamento) – a Marmee de 2019 -, a intérprete traz um tom firme e direto para a personagem. O carinho dela está mais voltado para as suas ações do que para o tom de sua fala. Dern investe no caminho de se revelar uma mulher sábia, serena e gentil, sendo esta última característica a mais visível em sua atuação.
As duas escolhas das atrizes acabam criando um bom contraponto com Jo, que parece sempre ser uma versão da mãe esperando para ser lapidada. Como a Jo de Winona Ryder é mais doce e atrapalhada, a Marmee de Sarandon demonstra praticidade para ajudar o próximo e coordenar a família. No filme de 2019 isto acontece exatamente de maneira oposta. Mas, em ambas projeções o laço entre a dupla é sólido.