Verdades Dolorosas

Crítica: Verdades Dolorosas

3.5

Com a crise de imagem vivida por Woody Allen nos últimos anos em razão do imbróglio envolvendo as acusações de abuso sexual da sua filha Dylan Farrow e da sua ex-esposa Mia Farrow, a diretora e roteirista Nicole Holofcener pode perfeitamente tomar o posto do cineasta com histórias que possuem muitos paralelos com as marcas conhecidas dos filmes do realizador. A maioria dessas histórias são dramédias ambientadas em Nova York, protagonizadas por uma classe média alta com gostos elitizados e cheia de neuroses e dilemas amorosos. A carreira da cineasta tem sido preenchida por essas histórias e Verdades Dolorosas é um título que confirma essa vocação da diretora, se juntando a outros de seus títulos, como À Procura do Amor e Amigas com Dinheiro.

A protagonista de Verdades Dolorosas é Beth uma escritora e professora de literatura cujo relacionamento é abalado ao ouvir sem querer uma confissão do marido Don, um renomado terapeuta: ele não gosta tanto assim dos textos da esposa. A revelação da verdadeira opinião do marido deflagra uma série de crises em Beth, que também passa a avaliar sua própria carreira até aqui. Com o filme, Nicole Holofcener quer tratar daquele tipo de mentira socialmente aceita que dizemos para manter a cordialidade das relações. A cineasta traz a temática não só para a relação do casal, mas também para as dinâmicas propostas por mães com seus filhos, dos filhos com suas mães e até de pacientes com seus terapeutas, no sentido de que nessas interações nem sempre a sinceridade é de bom tom.

Holofcener faz um panorama interessante sobre suas personagens repleto de virtudes, mas também pontos falhos. Como é de praxe no trabalho da cineasta, ela é muito boa em sustentar uma narrativa centrada em diálogos (ecos de Woody Allen). Os filmes de Holofcener são extremamente verborrágicos e Verdades Dolorosas não foge desse esquema. O casal principal é interpretado por Julia Louis-Dreyfus (que dispensa apresentações, mas ficou mais conhecida por seu trabalho em Seinfeld e Veep) e Tobias Menzies (da série Outlander), atores que “devoram” as palavras de Holofcener e sabem muito bem conduzir esse tipo de proposta dramatúrgica da cineasta.

Verdades Dolorosas

Na verdade, todos os atores estão muito bem no filme, cabendo ainda destacar os momentos da personagem de Dreyfus com a irmã Sarah, vivida pela ótima Michaela Watkins, e a participação brilhante de Jeannie Berlin, sempre uma alegria em cena como a mãe da protagonista (um match irresistível com Julia Louis-Dreyfus). Holofcener vira do avesso essas personagens, explorando complicadas nuances de suas personalidades e meandros das suas relações, contextualizando todos os eventos com o tema do envelhecimento.

Como já antecipado, nem tudo funciona com perfeição em Verdades Dolorosas. O longa é sim um pouco pernóstico quando sublinha sua trama em um recorte demográfico específico, uma elite norte-americana. Isso, por vezes, traz ramificações dos conflitos das personagens centrais que soam demasiadamente problematizadas pela cineasta (o famoso white people problem). Os segmentos envolvendo o filho dos protagonistas, por exemplo, é excessivamente oco e nem sempre sua diretora tem consciência disso, sendo muitas vezes condescendente com o seu mimado personagem. Além disso, o fato de falarmos de um longa que preza tanto pelo diálogo em detrimento da imagem na concepção de uma narrativa faz com que, por vezes, as DRs de Verdades Dolorosas soem cansativas, especialmente para quem não gosta tanto desse tipo de obra. Portanto, fica evidente que o filme não é recomendável para todos os tipos de público.

Verdades Dolorosas é uma sessão prazerosa para quem gosta desse tipo de filme – e os paralelos com o cinema de Woody Allen podem ser um parâmetro relevante na decisão se vale a pena ou não investir tempo nessa sessão. Mais uma vez, Nicole Holofcener faz um pequeno filme cheio de reflexões inteligentes sobre relacionamentos humanos, com um tom divertido que não pesa no drama, priorizando personagens e valorizando o trabalho de um elenco talentosíssimo. É verdade que, por vezes, é um cinema ensimesmado em seu próprio microcosmo de uma elite americana, mas que ainda assim guarda recompensas para o público que gosta do subgênero.

Direção: Nicole Holofcener

Elenco: Julia Louis-Dreyfus, Tobias Menzies, Michaela Watkins, Arian Moayed, Owen Teague, Amber Tamblyn

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