O saudoso diretor Mike Nichols conseguiu como poucos adaptar um texto do teatro para o cinema estabelecendo um equilíbrio interessante. Em Closer: Perto Demais, Nichols preservou a natureza verborrágica do teatro, mas, ainda que todo o filme girasse em torno do duelo verbal entre seus atores, o diretor entendia as demandas específicas do cinema, realizando as devidas traduções em imagens do seu texto-fonte. Em Um Limite entre Nós falta esta sensibilidade a Denzel Washington, que assumiu não apenas o posto de protagonista da história que interpretou no teatro como comanda o seu elenco na função de diretor. Quando não traz para si a responsabilidade de pensar audiovisualmente determinadas passagens do texto de Um Limite entre Nós, Washington pode até reverenciar o autor do texto original, o dramaturgo August Wilson, também autor do seu roteiro, e sublinhar o excelente trabalho do seu elenco, boa parte vindo dos palcos, mas esquece de poupar o seu público do exercício de resistência que é assistir ao seu filme, tornando-o uma obra difícil de se acompanhar, ainda que recompensadora em momentos isolados.
No longa, Denzel Washington interpreta Troy Maxson, um catador de lixo que vive em uma casa simples rodeado por sua família formada pela esposa Rose, papel de Viola Davis, pelos filhos Cory e Lyons e pelo irmão Gabriel. Troy lida com a frustração de não ter conseguido fazer carreira como jogador de beisebol e, enquanto constroi uma cerca no quintal da sua propriedade, lida com alguns conflitos domésticos com Rose e seus filhos. A cerca construída por Troy é uma metáfora que perambula toda a história transformando-a em um drama sobre como é natural ao homem criar demarcações para proteger ou expelir da sua vida aqueles que ama.
Em Um Limite entre Nós, Denzel Washington opta por privilegiar na primeira metade do filme uma câmera plana, ao nível dos olhos do espectador, explorando poucos recursos da linguagem cinematográfica. Quando tenta sair desses termos, iniciando seus planos em objetos como quadros ou enquadramentos aéreos, Washington parece não ter um propósito traçado que fundamente tais escolhas. É verdade que na segunda metade do longa, esse problema se ajusta e Washington subitamente parece compreender que a dinâmica de Um Limite entre Nós não pode se restringir ao quintal dos Maxson, variando os cenários, seus enquadramentos e suas movimentações de câmera e explorando um pouco mais o que os recursos audioimagéticos têm a oferecer no estudo dos seus personagens. A questão é que para alguns espectadores tal tomada de consciência do diretor pode ser tarde demais já que o filme é excessivamente moroso quando o assunto é ir no ponto central da sua história.
O formato “teatral”, contudo, tem como mérito destacar o trabalho dos seus atores, que não deixam desperdiçar cada palavra do roteiro de August Wilson. Assim, se há um mérito na direção de Um Limite entre Nós reside no ótimo trabalho que Washington faz com seu elenco, a começar pelo seu próprio desempenho como o protagonista do drama Troy Maxson. Denzel explora todas as nuances desse homem contraditório que assume a centralidade e o controle da sua dinâmica familiar, adotando um código moral próprio que defende com muita segurança em cada situação na qual é confrontado por seus filhos. Ao lado de Washington está essa força da natureza chamada Viola Davis, que oscila entre a fibra e a doçura de Rose Maxson, matriarca da família, uma presença tão importante e inspiradora em cena quanto o intérprete de Troy. Entre os coadjuvantes, os fortes desempenhos de Stephen Henderson, que vive o melhor amigo de Troy, Jovan Adepo, filho do casal, e Mykelti Williamson, intérprete do irmão deficiente mental do personagem de Denzel.
E como costuma acontecer com frequência no cinema, um elenco afiado faz a gente esquecer eventuais falhas do filme. Um Limite entre Nós acaba se impondo pela força com que Denzel, Viola e companhia tomam as rédeas dos seus personagens. É uma pena que no esforço de privilegiar esse aspecto do filme Washington tenha entendido que era necessário sacrificar seu desempenho como cineasta, quando a história do cinema está aí para provar que a arte dramática pode perfeitamente caminhar junta com a linguagem audiovisual. Não estou cobrando esforços herméticos de um cineasta que quer ser gênio e descamba na figura do realizador pretensioso, mas o mínimo de trabalho de adaptação, afinal é isso que Um Limite entre Nós pretende ser, uma adaptação cinematográfica de uma peça de teatro. O impacto das performances do elenco seguirá intacto, mas o filme não exigia do seu diretor uma anulação tão severa do caráter cinematográfico da obra.
Assista ao trailer do filme: