Sobre Transcendence – A Revolução as recentes manchetes dos jornais falam do mais novo fiasco da filmografia de Johnny Depp, buscando explicações para o declínio de um ator versátil como ele, sempre tão exitoso em suas empreitadas. Evidente que não se pode atribuir a Depp o fracasso dos seus últimos filmes, talvez a sua entrada nesses projetos, mas sabe-se lá Deus sob que circunstâncias ocorreram. O fato é que o ator é protagonista da emperrada engrenagem do Star System que já não serve Hollywood com tanta eficiência e vai, gradativamente, entrando para o limbo dos atores impiedosamente “descartados” em prol da hiper-valorização dos mais novos como Jennifer Lawrence, Robert Pattinson, Ryan Gosling, Emma Stone ou Shailene Woodley. Julia Roberts, Tom Cruise, Nicole Kidman, Renée Zellweger, Jim Carrey, todos já passaram por isso. Alguns conseguiram se reinventar, outros ainda estão tentando encontrar o seu caminho. O fato é que Transcendence – A Revolução não é um filme de resultados pífios por Johnny Depp estar nele, mas o fato de um ator do seu calibre se expor repetidamente a projetos inabilidosamente conduzidos como esse longa é preocupante.
Transcendence – A Revolução traz a história de um pesquisador sobre inteligência artificial que começa a desenvolver secretamente um projeto que visa utilizar a tecnologia para preservar o planeta do desgaste e da depredação. Além disso, Will Caster, o sujeito em questão, deseja superar a própria limitação da vida humana, preservando as funções do seu cérebro em um sistema avançado de inteligência artificial. Tudo o que Caster faz é pensando na iminência da sua morte já que tem sua vida ameaçada por um grupo de extremistas que são contra determinadas interferências da tecnologia no dia-a-dia humano. O pesquisador também faz tudo isso pensando na sua esposa Evelyn, com quem tem uma relação cercada por muito afeto, admiração e parceria.
Conduzido por Wally Pfister, diretor de fotografia dos últimos filmes de Christopher Nolan, a trama de Transcendence – A Revolução segue caminhos bem parecidos com os longas do diretor da trilogia O Cavaleiro das Trevas, a influência é clara. A história inspira a habitual engenhosidade dos roteiros de Nolan, tem um “pézinho” no suspense e em abordagens mais cerebrais e traz no seu cartaz um elenco muito interessante, alguns deles, inclusive, já trabalharam com Nolan, como é o caso de Rebecca Hall (O Grande Truque), Morgan Freeman (a trilogia O Cavaleiro das Trevas) e Cillian Murphy (Batman Begins e A Origem). O filme de Pfister se diferencia apenas por sugerir abraçar com mais força a subjetividade dos seus personagens, o que Nolan propositadamente, em diversos projetos, trafega com timidez. O roteiro do estreante em longas Jack Paglen tem como condutor dos seus atos o relacionamento do protagonista com a esposa Evelyn, sobretudo os efeitos das ações dele na personagem de Rebecca Hall.
Já que falamos de Rebecca Hall é preciso dizer que a atriz mantém a qualidade do seu trabalho aqui. Como Depp ausenta-se em diversos momentos, o centro da narrativa acaba voltando-se para ela e poucas atrizes conseguem lidar com uma personagem tão conturbada internamente de maneira tão cuidadosa e nada excessiva quanto Hall, de longe, a que sai ilesa das decisões questionáveis do projeto. Depp está bem quando surge em cena (e, nesse quesito, levanto as mãos para os céus por esse não ser um daqueles personagens excêntricos no qual o ator costuma carregar nas tintas em sua composição), mas o centro da trama acaba sendo Hall, que domina cada quadro desse filme com sua habitual competência. No mais, apesar de contar com um elenco que traz Paul Bettany, Morgan Freeman, Cillian Murphy, Kate Mara e Clifton Collins Jr., Transcendence- A Revolução não faz nada por nenhum deles. Diferente do casal principal, seus personagens são rasos e surgem na tela como um capricho da ficha técnica do filme.
O que destrói Transcendence – A Revolução é a própria ambição da sua história. Chega um determinado ponto da fita que nem Wally Pfister, nem o roteirista Jack Paglen, conseguem sustentar as demandas que chamam para si ao longo da narrativa, culminando em um terceiro ato que é corrosivo para o filme e acaba transformando-o em uma história de pouca credibilidade. Paglen não consegue dar um desfecho satisfatório ao projeto e não mantém uma linha ascendente no desenvolvimento de sua trama e dos seus personagens. Quando chega no clímax da história interrompe todos os eventos com frases de efeito e decisões amadoras que saltam a tela.
E, nesse quesito, quem pode culpar Johnny Depp por se envolver na primeira empreitada como realizador do diretor de fotografia de Christopher Nolan? Por querer trabalhar com Morgan Freeman, Rebecca Hall, Paul Bettany, Cillian Murphy? Talvez possamos culpá-lo por ter aceitado um roteiro que não dá conta do próprio peso e dramaticidade da história e da complexidade de temas que convoca, mas dai também não sabemos o que aconteceu entre o processo de sua finalização e início de suas filmagens (é muito comum que em projetos desse porte o roteiro seja reescrito por exigência do estúdio). Especulações… O fato é que não há como culpar Depp por atender a um chamado desses em um projeto que de fato parecia promissor com todos esses indícios positivos. O cinema, como toda forma de expressão, é uma caixinha de surpresas e não dá para prever os caminhos que uma obra irá percorrer, ter garantia do seu sucesso ou ter controle sobre o que acontece durante o processo criativo. O que dá para dizer é que Depp está longe de ser o culpado pelo fiasco de Transcendence. No entanto, infelizmente, a indústria costuma ser implacável nesse tipo de escorregada, antecedida por tantas outras como Alice no País das Maravilhas, Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas, O Diário de um Jornalista Bêbado, O Turista, Sombras da Noite e O Cavaleiro Solitário. É assim que funciona, amigos.