Crítica: Spotlight – Segredos Revelados

Em 2001, um grupo de jornalistas especializados em jornalismo investigativo do Boston Globe recebe do novo editor executivo do jornal a incumbência de desvendar alguns casos de pedofilia envolvendo padres da capital do estado de Massachusetts. A reportagem que inicialmente teria como protagonistas sete sacerdotes, chega a um número assustador de 90 padres acusados de molestar meninos e meninas de diferentes idades em casos que foram silenciados pela igreja, por advogados, pelo sistema judiciário e até mesmo por jornalistas. A reportagem do grupo, cuja seção no jornal fora batizada de Spotlight, ganhou repercussão mundial, resultou em uma atenção maior ainda para os casos de pedofilia envolvendo a igreja católica e acabou ganhando o prêmio Pulitzer de jornalismo.

Conduzido com uma sobriedade admirável por Tom McCarthy, realizador cujos trabalhos mais marcantes até então vieram do circuito independente norte-americano, entre eles, O Agente da Estação e O Visitante, Spotlight – Segredos Revelados revive os passos da investigação empreendida pelos jornalistas do Boston Globe e é um filme cujo principal mérito é abordar um tema revoltante como a prática da pedofilia na igreja católica evitando qualquer tipo de sensacionalismo. Mesmo que adote uma abordagem quase que cerebral sobre o assunto, é preciso salientar que McCarthy não faz um filme frio, há um envolvimento emocional do diretor, do roteiro e dos personagens  na medida em que determinados fatos sobre os casos vêm à tona. Assim, há o jornalismo, mas o “sangue” está presente nas “veias” do longa-metragem.

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Tensão: Filme mantém o espectador preso no desenrolar da descoberta dos fatos

 

Grande parte desse interessante equilíbrio encontrado por Tom McCarthy em Spotlight deve-se ao fato do realizador ter compreendido que a perspectiva lançada por sua obra era a da investigação jornalística e de que o olhar lançado para o caso era do grupo de profissionais do Boston Globe. Ao adotar esse ponto de vista, McCarthy ainda consegue fazer do seu filme, essencialmente verborrágico, uma trama investigativa enervante com ganchos que mantém o espectador atento e envolvido na dinâmica de trabalho do grupo de jornalistas do filme sem recorrer a elucubrações visuais. Tudo em Spotlight parece monocórdico e ter o seu próprio tempo, o que, curiosamente, em momento algum prejudica o ritmo do filme, pelo contrário, põe em evidência o trabalho investigativo que o longa quer destacar e mantém o espectador envolvido por horas nas descobertas feitas pelos personagens.

É como se o filme de McCarthy se transmutasse na própria reportagem cuja realização dramatiza. São raras no filme as sequências que não passam pelo crivo do olhar ou pela ação do seu grupo de jornalistas. Vivenciamos os horrores dos casos de pedofilia contados somente pela narrativa da investigação jornalística e todos os seus bastidores. Esta opção do realizador é o que sustenta o seu filme e evidencia as suas próprias pretensões: não apenas indignar o público com os crimes da igreja, mas destacar a função social  do jornalismo em casos como esse. Nesse sentido é que Spotlight consegue ser um filme sóbrio, porém evitando qualquer tipo de indiferença àquilo que está revelando a sua plateia.

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Harmonia: Interpretações do elenco são marcadas pelo equilíbrio, não existindo ator que destoe do outro em cena

 

Com a mesma sobriedade que Tom McCarthy conduz a sua história, ele dirige o seu elenco. Nesse sentido, seria injusto destacar esse ou aquele desempenho no seu filme porque todos os atores estão igualmente excelentes. Tal qual o trabalho da equipe do Spotlight do jornal Boston Globe, Michael Keaton, Mark Ruffalo, Rachel McAdams, Liev Schreiber, Stanley Tucci, só para citar alguns dos atores centrais do longa, trabalham harmonicamente como uma equipe, sem sobressalências ou interpretações em tons mais elevados, o que é coerente com o próprio propósito filme.

Além de expor toda uma estrutura de poder que acobertou e continua acobertando os casos de pedofilia da igreja católica, Spotlight – Segredos Revelados acaba mostrando-se ao público como uma narrativa que reforça a importância do jornalismo (não quele de fachada que parte das redações espalhadas por ai exercem) para a sociedade. Parece um pouco “lugar comum” dizer isso, mas em tempos de “copia e cola” e da busca insana pelo furo de reportagem, resultando em práticas irresponsáveis e marcadas pelo anti-profissionalismo e por apurações cada vez mais pobres, nunca é demais abrir um parênteses para esse potencial da obra. Além disso, o filme de Tom McCarthy, em seu próprio propósito de ser uma espécie de “bastidor de uma grande reportagem” confirma que para oferecer uma trama tensa, envolvente e emocionalmente engajada não é necessário recorrer a diálogos, trilhas ou cenas excessivamente expositivas e manipulatórias, a descoberta dos fatos é por si só um instrumento de envolvimento e fidelização do público à obra do início ao fim.