Crítica: Socorro, Virei uma Garota!

Estreia esta quinta-feira, 22 de agosto, a nova comédia adolescente brasileira Socorro, Virei Uma Garota!. Dirigido por Leandro Neri (Agora Que São Elas) e escrito por Paulo Cursino (De Pernas pro Ar), o filme poderia ter sido um divertido, leve e sem pretensão longa do gênero. No entanto, o espectador pode ir ao cinema procurando um besteirol para se distrair e sair espumando de raiva.

Já de cara, nos primeiros minutos de projeção, é fácil saber o que irá acontecer na tela. Um jovem nerd, o Júlio (Victor Lamoglía), deseja ser uma pessoa popular e acaba acordando no corpo de uma menina, Júlia (Thati Lopes). A jovem na qual ele passa a ser é uma blogueirinha fútil, infantil e mimada. Ambas as atuações ficam no lugar comum de arquétipo do que é um menino sem popularidade e muito estudioso, mas os problemas não param por aqui . Já no começo da exibição, fica a sensação estranha de o roteiro foi escrito em 2001. Com marcas extremamente estereotipadas, as personagens são forçadamente encaixadas em padrões que apenas poderiam ter saído da cabeça de um homem branco.

Não à toa, o comando da direção e do roteiro é ocupado por duas figuras que se encaixam nessa categoria. Logo, as moças amam roupas, histórias melosas de amor e ter namorados ricos e sarados. Meninos curtem Star Wars, matemática e querem ser fortes e pegadores. A planificação continua com a garota lésbica que, além da vestimenta do que a equipe deve achar ser obrigatória para todas as mulheres homossexuais, o gosto musical se baseia em Ana Carolina. É como se precisassem reforçar a todo instante ainda mais a sexualidade da moça, mas tom é sempre de piada. O gosto fica amargo justamente por isso, como se a orientação sexual dela virasse motivo de riso.

A tiradas ofensivas não param por aí. Quando o pai da protagonista – interpretado por um preguiçoso Nelson Freitas, jogando uma atuação bem na sua chave, com o corpo solto e sem aparente vontade de estar ali – revela que já foi apaixonado por um homem. Neste momento, uma música que parece entrar no gênero conga começa a tocar. A parti dali, todas as vezes que a relação dele com esse amor do passado aparece, esse tema se repete, como se houvesse um tipo de ritmo gay. Por fim, além da produção não ter escalado nenhum negro para o elenco, o racismo com orientais deixa a alma cansada, pois quando o público começar a achar que nada mais de equivocado surgirá, o mesmo acontece quando um garoto asiático, adorador de matemática e nerd é mostrado.

Para além dos traços de repetição de preconceitos da sociedade, mascarados de piadas daquele “seu amigo gente boa”, o filme ainda peca por não ter coragem de colocar um beijo entre mulheres em nenhum momento, marginalizando a relação LGBT. Mesmo que o discurso seja de aceitação, este elemento fica apenas na fala “toda forma de amor é válida”, que, além de ser clichê, deveria ser comprovada dentro da trama, nas ações e/ou diálogos, porém deixam como algo que não pode ser mostrado, deve ser censurado e cortado com algum efeito de luz ou som.

Por fim, em questões técnicas o longa é fraco, como já era de se esperar. A direção não traz nada muito criativo. Planos mais fechado, a câmera passa a maior parte do tempo parada, a mise-em-scène é um tanto bagunçada, o que tira o foco das sequências em alguns momentos. As atuações não são expressivas.

A maioria dos jovens intérpretes são verdes, dizem o texto de forma monocórdica, fazendo uma espécie de música com a voz e não parecem possuir a noção de método para corpo em cena. Com exceção dos artistas que fazem o/a principal Thati Lopes/Victor Lamoglia), que não são ruins em outros trabalhos. Contudo, neste projeto não vão além do não passar vergonha, pois possuem o entendimento do que estão dizendo, buscam colorir o texto e criar uma personalidade para Júlio/Júlia.

A única salvação real de Socorro, Virei Uma Garota! é a presença de Vanessa Gerbelli que chega apresentando uma atuação sutil, naquele universo cansativamente exagerado, fora de tom (para mais ou para menos). No papel de mãe de Júlio/Júlia, com tranquilidade, ela conseguiu dar uma diluída nos diálogos expositivos, fazendo com que os momentos em que ela aprece ficassem emocionantes e sensíveis, porque ela teve cuidado com os olhares que criou, que mesclam ternura e cuidado maternal e um corpo consciente, com tônus.

Direção: Leandro Neri
Elenco: Thati Lopes, Victor Lamoglia, Leo Bahia, Manu Gavassi, Vanessa Gerbelli, Nelson Freitas, Kayky Brito

Assista ao trailer!