One Night in Miami

Crítica: One Night in Miami (Prime Video)

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Narrando uma noite fictícia entre Malcom X (Kingsley Bem-Adir), Muhammad Ali (Eli Goree), Jim Brown (Aldis Hodge) e Sam Cooke (Leslie Odom Jr), One Night in Miami é baseado na peça homônima de Kemp Powers (Soul), que também assina o roteiro do filme. Ambientando o espectador na realidade das personagens centrais, o ritmo do longa-metragem vai se assentando aos poucos. Há uma sensação de que a obra busca preparar o público para este encontro específico.

Através desta demonstração das situações iniciais de Malcom, Ali, Jim e Sam, os embates e histórias contadas posteriormente ganham um sentido mais firme, pois há uma aproximação de quem assiste com as personalidades, lutas e perspectivas de cada um. Kemp Powers acerta ao trazer um roteiro amarrado e conciso, fechando os ciclos de cada premissa exposta durante a projeção. A estrutura de apresentação também se repete no final, quando o que ocorre com estes amigos após a reunião é revelado.

Esta dinâmica é favorecida pela habilidade do elenco em emular bem uma conexão prévia entre o grupo. Há uma química forte entre o quarteto em One Night in Miami e isto é impresso com movimentações, pausas e olhares trocados por eles. A compreensão e os aborrecimentos que possuem uns com os outros se tornam mais palpáveis, porque uma espécie de narrativa prévia é impressa tanto no textualmente como no extra texto. O fato deles se conhecerem a um tempo fica nítido nas interpretações. Há uma consciência dos intérpretes em pôr em seus papéis este passado que parece tão marcante para todos ali.

Outro elemento que salienta ainda mais esta unidade da produção é a direção de Regina King (Se a Rua Beale Falasse). A mise-en-scène contribui não apenas para o aumento da intimidade do quarteto e esta ligação que eles têm, como dita o tempo e as velocidades da cena, elevando a imersão na trama. O ápice de todos estes fatores é o momento do terraço, no qual os diálogos, combinados com as marcações e enquadramentos, trazem o auge das emoções das personagens, com urgências, paixões e sentimentos expostos.

One Night in Miami

O uso da técnica do audiovisual chega de maneira habilidosa, fazendo  com que o longa seja uma experiência estética intensa. Contudo, o discurso transmitido por ele é, sem dúvidas o seu ponto alto. Os posicionamentos de Malcom entram em conflito com os de Sam, Jim e Ali e nestas discussões surgem quase aulas sobre a militância e o movimento negro. Ao mesmo tempo em que as distintas formas de pensar do quarteto expandem os múltiplos direcionamentos que a população negra pode e/ou acaba precisando seguir, a ideologia de Malcom X é reafirmada, ainda que colocada como uma maneira de pensamento e não a exclusiva.

Entre as escolhas e renúncias, existe uma amplitude de existências de trajetórias e a exposição de como o racismo é forte e presente, independentemente do sucesso e dos caminhos selecionados. Há luta e resistência que transbordam nos quatro, mas as dificuldades e preconceitos vêm e complementam os textos ditos nas conversas deles. Existem dois exemplos fortes que ilustram esta característica. O primeiro é a performance de Sam no Copacabana e a reação da plateia branca ao vê-lo cantar. Parte vai embora, outra cochicha e faz expressão de descontentamento. O segundo é o encontro de Ali com Mr. Carlton (Beau Bridges). Quando o rapaz faz uma visita para o aparente amigo, ele recebe a informação de que não pode entrar na casa dele, porque é negro. São momentos intensos, que denunciam racismos escancarados, seja em uma vivência cotidiana da vida pessoal ou profissional.

Apesar de toda qualidade presente aqui, One Night in Miami peca por não saber manter toda esta construção e atmosfera criada durante a exibição. Ainda que redondo, o enredo se perde em certos momentos, como nas sequências que acontecem antes e depois da ida de Sam e Ali para uma lojinha onde compram bebidas. Além disso, os subplots não conseguem ter tempo para se desenvolver e alguns saltos precisam ser feitos, como a transição de Muhammad Ali, que adota este nome apenas no final da obra, tornando-se mulçumano.

A discussão da sua mudança de religião está presente o tempo inteiro. No entanto, quando ele está tão cheio de dúvidas na maior parte do longa que a sua batida de martelo sobre a transição religiosa soa repentina. Um pouco antes do desfecho, que encerra bem a trama, há também uma ausência em concluir a interação entre os quatro amigos, o que poderia ser positivo por deixar em aberto os atritos entre eles, mas que não contribui tanto para estes relacionamentos expostos ali.

Direção: Regina King

Elenco: Kingsley Bem-Adir, Eli Goree, Aldis Hodge

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