Crítica: O Silêncio do Céu

O Silêncio do Céu começa com uma cena forte que acompanhará espectador e protagonistas ao longo de suas quase duas horas de duração: Diana, personagem de Carolina Dieckmann, é estuprada por dois homens dentro da sua própria casa. Vivendo o trauma de um ato tão brutal, ela decide não contar para ninguém o ocorrido, nem mesmo para o seu marido Mario, vivido pelo argentino Leonardo Sbaraglia (Relatos Selvagens), que, logo na sequência da cena de abertura do thriller, descobrimos ter testemunhado a ação. Assim, o terceiro longa-metragem de ficção do paulista Marco Dutra, de Trabalhar Cansa e Quando Eu Era Vivo, acompanha seu casal de protagonistas atormentados com a lembrança do crime que silenciam pelo tabu que o próprio tema tem no ambiente doméstico e social e que, consequentemente, levará um deles a cometer um ato extremo para estancar a ferida.

O filme é baseado no romance do argentino Sergio Bizzio, que, por sinal, já teve algumas das suas obras adaptadas para o cinema em filmes como Rabia e XXY, protagonizado por Ricardo Darín. Apresentado ao espectador como um suspense, o filme orquestra bem a cartela de efeitos do gênero, tendo Dutra como um mestre na arte de criar a atmosfera necessária para mergulhar personagens e espectador em uma situação de crescente tensão na qual o destino de todos surge como completamente imprevisível.

O roteiro, co-escrito por Bizzio, consegue costurar com destreza os caminhos percorridos por Diana e pelo seu esposo Mario na medida em que assimilam a situação que viveram e elaboram como vão lidar com ela dali em diante. A presença do cônjuge na rotina após o ocorrido é um fator psicologicamente desestabilizador para o casal pois ambos não sabem como e se devem falar sobre o ocorrido com o parceiro, especialmente ele que não consegue articular uma abordagem mais direta e sensível da questão com a mulher.

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O longa consegue conduzir a sua trama através de momentos localizados em que priveligiam a perspectiva de ambos personagens sobre o drama. Com um material como o de O Silêncio do Céu, Dutra consegue converter em imagens a memória dilacerante do estupro pelo ponto de vista de Diana, que vivencia o horror do seu trauma em situações triviais como uma singela brincadeira dos filhos ou no momento íntimo do banho, sempre mediado pelo olhar distante e repleto de culpa de uma Carolina Dieckmann impecável na condução da personagem.

Dutra também é igualmente habilidoso na maneira como capta a obsessão de Mario pelos estupradores da sua esposa, o que abre caminho para uma interpretação igualmente avassaladora de Leonardo Sbaraglia. O diretor reforça a perspectiva do personagem sobre os eventos com close-ups nos seus olhos inquietos e cheios de medo e na maneira como enquadra a ambiência de Mario pelos cômodos da casa, externando uma atmosfera de inquietante conflito interno em espaços carregados pela sombra e pela sensação de  um perigo ilusório. Com essa abordagem, Dutra utiliza muito bem recursos típicos do suspense tais quais jogos de luzes e a exploração de sons diegético (uma chaleira esquentando ou o barulho do motor de um carro) como elementos que acentuam a tensão da história.

Ainda assim, O Silêncio do Céu é arrebatador mesmo na maneira como compreende a dinâmica do casal principal e como o crime em questão é apenas um catalisador dos problemas de comunicação deles. Ao contar com atores aplicados em cena como Dieckmann e Sbaraglia, o filme de Marco Dutra ganha ainda mais em intensidade e cumplicidade do espectador. O longa não mede esforços em sua investigação da ferida exposta, tratando do trauma feminino à paralisia, machismo e fraqueza masculina no enfrentamento da questão. Portanto, O Silêncio do Céu prende o espectador na resolução do seu conflito principal como um bom exemplar de suspense, mas proporciona ao público um complexo mergulho na psicologia de personagens dilacerados por um dos crimes mais bárbaros que alguém pode imaginar ser vítima.

Assista ao trailer do filme: