O Silêncio da Chuva

Crítica: O Silêncio da Chuva (Globoplay)

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Adaptação do romance policial homônimo de Luiz Alfredo Garcia-Roza, O Silêncio da Chuva é um tanto irregular. Contendo momentos nos quais existem elementos técnicos e discursivos bem trabalhados e algumas questões incômodas, que podem gerar desconfortos,  a avaliação geral do longa-metragem pode variar pela importância que o espectador vai dar para cada um destes pontos.

A maneira como a obra aborda o racismo, a misoginia e o elitismo, por exemplo, é um acerto. Durante a projeção, enquanto a investigação da dupla de policiais Daia (Thalita Carauta) e Espinosa (Lázaro Ramos) acontece, frases preconceituosas e/ou degradantes são emitidas pelas personagens que os cercam. Há um equilíbrio criado entre o estabelecimento de tensão por conta do mistério que envolve a morte de Ricardo (Guilherme Fontes) junto com questões sociais que são evocadas constantemente.

Inclusive, neste jogo de direcionar o olhar do público para os conflitos dos ricos que desejam manter seus privilégios sempre e, por isso, possuem muito a esconder, é que a trama surpreende em seu desfecho. O vilão principal, Aurélio (Otávio Müller), é o típico homem branco pegajoso, que faz “piadas” indigestas e que, diversas vezes, é posto como um bobo que apenas fala e não faz nada.

Aqui, fica colocado como o crápula do cotidiano também oferta perigo e suas falas machistas devem ser notadas e observadas sempre. Neste sentido, a atuação de Müller contribui para a elaboração desta figura que é cuidadosamente trabalhada para soar como inofensiva em suas ações, até o momento da virada, quando seu Aurélio passa a ser perturbador.

O grande ganho de Müller em O Silêncio da Chuva foi utilizar as mesmas movimentações, posturas e gestos corporais, mudando somente o tom e a velocidade da fala. A sua contracena também cresce ao lado de Lázaro e Thalita. Além de elevarem o potencial de Otávio em cena, ambos conseguem criar uma dinâmica jogo cena crível e possuem bastante química. O destaque aqui é ainda maior para Thalita, que entrega em sua Daia uma personagem orgânica e de carisma intenso.

A forma como a intérprete colore o texto vai para um realismo/naturalismo forte, o que não é necessariamente algo positivo ou negativo, porém nesta produção funciona para aumentar a credibilidade para seu papel e fomentar o ritmo das cenas. Em suas acelerações e fluxos ágeis de pensamento, Thalita Carauta sabe selecionar os momentos de peso e relaxamento presentes no texto, aumentando ou diminuindo as tensões.

Ela consegue ser o respiro e o sufocamento em uma mesma sequência ou em mais de uma. Talvez, a atriz seja o ponto alto da obra. Ainda assim, existem mais dois elementos que chamam a atenção de uma forma positiva dentro do longa. A primeira que se pode apontar é a forma como o espaço do Rio de Janeiro é ressignificado para contar uma história policial.

O Silêncio da Chuva

Escolhendo locações  que ficam no centro do Rio, vê-se um lado pesado, urbano e de tons soturnos da cidade. A direção de Daniel Filho (A Partilha) eleva essa potencialidade, justamente nestes planos gerais de prédios e construções mais sóbrias, sendo aqui o segundo destaque apontável. O olhar de Filho nesta adaptação colabora com a ambientação policial.

Todavia, a seleção de planos e movimentações falha em uma determinada parte do filme. Uma das questões mais debatidas em relação ao cinema é a utilização de cenas de estupro no audiovisual. Além do “tê-las ou não”, o como as rodar é um foco de atenção nestes debates. Em O Silêncio da Chuva duas saídas seriam realizáveis. Uma: mudar a forma como Aurélio é derrotado ou criar uma decupagem que deixasse esta sequência menos explícita e violenta, principalmente a primeira parte dela.

O encontro de soluções para reduzir este trato do corpo e da figura da mulher violentada no audiovisual cabe aos realizadores. Assim, esta conclusão é difícil de acompanhar, pois a brutalidade do ocorrido ganha destaque nos enquadramentos e movimentações. Todavia, a queda qualitativa não é exclusividade desta cena. D

evido a outros problemas, obviamente, existem problemas durante a sessão. Um deles é a iluminação. É bem verdade que há uma vontade de colocar no ecrã um Rio de Janeiro distinto do que se está acostumado a ver. Esta estratégia é louvável. No entanto, a forma com a luz é utilizada compromete a fruição das ações ou reduz o impacto dos acontecimentos ali mostrados.

Além disso, existe um desnível rítmico. Ainda que a atuação de Thalita consiga empurrar e direcionar as velocidades durante a projeção, melhorando o desenvolvimento da narrativa, algumas voltas dentro do enredo provocam uma sensação de tédio. Quem está assistindo já compreendeu boa parte da situação colocada no longa e fica ansiando por ver as situações se encaminharem, porém sequências semelhantes causam um deja vu que tem, como consequência, um tédio e uma dispersão.

Desta maneira, no geral, O Silêncio da Chuva possui um resultado quase médio. Contendo instantes bem elaborados de suspense, ação e até comédia, ele vale ser visto, ainda que com momentos intragáveis ou um pouco tediosos.

Direção: Daniel Filho

Elenco: Lázaro Ramos, Thalita Carauta, Cláudia Abreu.

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