Procurando investigar as emoções de cada personagem em cena com seu trabalho, Sebastián Lelio (Desobediência) entrega uma adaptação digna da obra homônima de Emma Donoghue, O Milagre. Dentre os seus aspectos positivos, talvez o mais forte da obra seja realmente a direção de Lelio. Há uma segurança na sua composição de planos, que trazem movimentações mais contidas, com quadros mais fechados, para dar espaço para que as ações físicas aconteçam.
Neste sentido, cada intérprete imprime em sua composição pistas para a resolução do suposto mistério inserido na trama. É preciso que os gestos sejam captados em toda a sua inteireza e a mise-en-scène é orquestrada de tal forma que o espectador consegue compreender as dinâmicas de todas as relações mostradas no filme. Um exemplo é o contraponto do tempo das sequências onde as pessoas estão comendo.
Como o plot fala sobre um possível milagre de uma criança que está fazendo jejum por quatro meses seguidos, o relacionamento das personagens com alimentos é fundamental para a construção de atmosfera. Desta maneira, não apenas a decupagem trabalha para fortalecer a contraposição da fome versus o consumo da comida, mas também a partitura dos atores coloca em evidência esta saciedade das personagens.
Neste sentido, um outro elemento que fomenta a narrativa em O Milagre é o estabelecimento da ambientação de clausura. A fotografia de Ari Wegner (Ataque dos Cães) estabelece a ideia de que do lado de fora é onde existe a luz, onde está a saída e, talvez, todas as respostas que a protagonista, Lib (Florence Pugh), precisa. A sensação de escuridão na casa de Anna (Kíla Lord Cassidy), a suposta menina miraculosa, é ainda mais intensa.
Esta estratégia passa a impressão de sufocamento, mas também eleva a potencialidade da relação entre Anna e Lib. A luminosidade, inclusive, tem elevações em momentos de virada dentro do enredo, tanto quanto Lib vai desvendando o mistério sobre Anna, como na resolução do conflito principal do longa, quando, finalmente, ambas estão do lado de fora, a céu aberto.
Nesta lógica, a equipe de arte também contribui para a elaboração deste sentido, como na cor azul do vestido de Lib, que é a cor do céu que a família de Anna projeta, mas não existe, porém é a salvação do renascimento de Anna. E são através destas marcas simbólicas que o filme se faz. Esta é uma produção que deseja provocar o espectador a ter um olhar atento aos detalhes e que consegue passar sensações táteis, através de imagens.
Ainda assim, após construir uma obra sólida em boa parte da projeção, após a descoberta de Lib sobre a verdade, há uma queda qualitativa aqui. Quando a trama se encaminha para a sua resolução, há uma demora para a resolução do conflito e uma reiteração de informações. Além disso, existe uma subestimação do público, porque há uma quantidade exagerada de explicações, tanto em termos de texto falado quanto de imagem.
Desta maneira, O Milagre, em sua totalidade, é exitoso em prender a atenção de quem assiste, mas apresenta um final morno e um tanto repetitivo. É uma sessão que vale a pena, porém que deixa uma sensação estranha depois da exibição, porque ao expor tão insistentemente o plano de Lib e suas razões, há um enfraquecimento de todo o trabalho feito anteriormente com o não dito e sutil.
Direção: Sebastián Lelio
Elenco: Florence Pugh, Tom Burke, Kíla Lord Cassidy
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