O Conde faz o cineasta Pablo Larraín retomar suas reflexões sobre a ditadura chilena depois de investir em cinebiografias de língua inglesa, Jackie (2016) e Spencer (2021). Larraín já havia se dedicado a roteiros reverberando esses eventos como Tony Manero (2008), Post Mortem (2010) e No (2012). Agora, no entanto, com O Conde o faz através de um olhar para a vida do ditador Augusto Pinochet como um vampiro que segue à espreita no Chile.
O filme de Larraín faz essa comparação curiosa entre o ditador e um vampiro, incorporando traços da mitologia às soturnas e parasitárias figuras históricas como Pinochet, políticos que se alojaram no aparelho estatal, na consciência de parcela da população e consumiram (e seguem consumindo) a sociedade com seus legados ideológicos, que são passados adiante como inspiração para novos líderes facistas. O mito do vampiro se encaixa com propriedade nesse cenário, uma figura silenciosa, que anda sempre nas sombras, agindo de maneira traiçoeira e inesperada contra suas vítimas, no caso, o povo do Chile. Há ainda uma inserção interessante de Margaret Tatcher, ex-primeira ministra do Reino Unido, nesse universo reimaginado pelo cineasta.
Nesse sentido, o legado histórico de uma ditadura é essa mácula póstuma na sociedade que vitima. Ainda que os “bons ventos da democracia” a dissolvam do dia-a-dia do cidadão comum, ela segue presente no cotidiano como um trauma ou, na pior das hipóteses, à espreita, esperando novos porta-vozes de versões repaginadas ou recicladas de suas ideias. E nesse sentido, O Conde acaba oferecendo uma análise crítica não apenas à sociedade da época de Pinochet, ao Chile especificamente mas encontrando neste momento histórico a semente para o estado da América Latina e do mundo atualmente com a ascensão de governos autoritários e anti-democráticos chancelados por parcela da população.
A analogia de Larraín é apropriada e o diretor faz de O Conde um filme que tem uma âncora muito sólida em narrativas clássicas do cinema de vampiro. A referência mais óbvia do projeto são os filmes do expressionismo alemão, em especial Nosferatu de F. W. Murnau. O uso de uma fotografia em preto e branco é providencial para Larraín trabalhar muito bem essa referência através da maneira como cada um dos seus frames manipula a presença ou a ausência de sombras e a silhueta característica de um Pinochet encurvado trajando uma capa preta à espreita das demais personagens e sobrevoando o Chile em uma vigília mal intencionada.
Como parte dos filmes do diretor, O Conde transmite uma certa auto indulgência, fazendo de Larraín um cineasta facilmente impressionável por sua direção, mas que por vezes não facilita a experiência do espectador, estendendo a história por mais tempo do que tem fôlego para manter. Isso é complicado também por tratarmos de um título original da Netflix – certamente, sua experiência seria beneficiada pela imersão do cinema. Definitivamente, O Conde não é dos filmes mais simpáticos para um lançamento direto por um serviço de streaming. Estilizado, o longa pode ser uma experiência maçante para um espectador preocupado com narrativas, disperso na espectatorialidade doméstica ou que desconhece a biografia da sua figura histórica representada. Ainda assim, destaca as ideias bem aplicadas de um cineasta que soube conduzir de maneira coerente uma sátira biográfica que destrincha aspectos de nossa história e aponta não apenas para o passado como também para o nosso presente – desejamos que não para o nosso futuro.
Direção: Pablo Larraín
Elenco: Jaime Vadell, Gloria Münchmeyer, Alfredo Castro, Paula Luchsinger, Stella Gonet, Amparo Noguera, Antonia Zegers, Marcial Tagle
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