Nunca Raramente Às Vezes Sempre

Crítica: Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre (Telecine Play)

4.5

Diversos dos medos, das angústias e aflições passadas por mulheres em suas vidas estão aqui em Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre. Através de uma direção e de um roteiro cuidadosos, Eliza Hittman (Parece Amor) imprime na tela um retrato sensível das lutas femininas cotidianas – e que não deveriam ser, é bem verdade, mas são. Entre as estratégias postas no filme, a escolha de colocar uma personagem tão jovem como protagonista eleva as sensações e reflexões acerca da sociedade machista e cruel que, desde tão cedo pode punir, acuar e entregar responsabilidades pesadas nas mãos de meninas. Este fator etário da personagem principal faz com que a sessão seja ainda mais intensa.

Dentro deste contexto, o espectador se depara com a história de Autumn (Sidney Flanigan), uma adolescente, que entre sua rotina de escola, trabalho e amor pela música, descobre uma gravidez inesperada, fruto de um estupro, vindo de uma relação abusiva. Quando a jovem decide fazer o aborto, vai para Nova Iorque, porque a sua cidade é extremamente conservadora e de mentalidade tacanha. Todas estas informações não são ditas de maneira óbvia, mas sim através de ações, de movimentações de câmera, de olhares das personagens e de diálogos não muito diretos. Este é o ponto central aqui em Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre. Esta é uma obra de silêncios, de tempos dilatados, mas não ralentados.

A relação entre Autumn e sua amiga Skylar (Talia Ryder) é fomentada justamente em tudo aquilo que nós mulheres não precisamos dizer. Sem trocarem uma palavra, é reconhecido o pavor da presença de homens brancos, que estão a todo tempo as rodandos, trazendo um perigo em potencial ou em assédios mais explícitos ou não. A figura do chefe do supermercado é um exemplo nítido deste cerco que as sufoca e maltrata. Toda a repugnância das garotas não é verbalizada, não é preciso, está tudo na expressão facial das atrizes, na seleção de planos, no tempo que a câmera se demora quando há o desejo de salientar algo ou um contexto.

Hittman provoca tensão e aflição inteligentemente, pois constrói a progressão dramática com sutileza, mas sem deixar de apresentar reviravoltas na trama. Estas podem deixar o público tenso e ainda mais imerso naquele universo. Os entraves encontrados por Autumn são evocados de forma fluída, expressam uma batalha árdua e contínua por algo que deveria ser um direito garantido e sem maiores complicações. Cada barreira puxa a outra e, por esta razão, a fluidez se faz. Ao lado destes problemas, as reações de Autumn e Skylar também potencializam o entendimento sobre os temas abordados em Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre.

As saídas que Autumn e Skylar encontram e como lidam com os ocorridos revelados no enredo, relembram, constantemente, o local onde as meninas e mulheres estão inseridas. Novamente, entendendo que elas estão dentro deste espaço de amadurecimento compulsório,  de silenciamento, de dúvida sobre quando se calar e falar e como reagir ao impensável: a sociedade como um todo. Mas, Hittman não expõe um discurso determinista e com questões insolucionáveis. Através das chances de ajuda e acolhimento encontrados em Nova Iorque e da parceria profunda de Autumn e Skylar, há um horizonte de esperança vislumbrado. Existe um caminho longo pela frente, mas não uma derrota. Longe disso.

Ainda há outra camada inserida na tela. Em nenhum momento, Hittman deixa quem assiste esquecer que a dupla é formada por adolescentes. Entre as breves brincadeiras entre elas, em como jogam no fliperama, na ingenuidade na hora de se expressarem ou em pequenos detalhes de ação – como no fato de Skylar ter trazido uma mala de rodinhas, para uma suposta viagem de um dia e, por isso, ter que a carregar o objeto o tempo inteiro – , tudo isto são marcas de juventude e fragilidade, que traduzem muito de quem são elas.

Esta lembrança recorrente também contribui para um roteiro potente, que sabe do que está falando, que tem a vontade de contar para o mundo como ele trata as meninas, as mulheres. Assim, Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre é uma produção carregada de significados múltiplos, para falar de um assunto abrangente e forte. Em sua delicadeza, ele consegue expressar muito sobre o sentido de violência e resistência presente na vida feminina, desde sempre.

Direção: Eliza Hittman

Elenco: Sidney Flanigan, Talia Ryder, Théodore Pellerin

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