Não Olhe para Cima

Crítica: Não Olhe para Cima (Netflix)

4.5

Alguns dos filmes mais recentes de Adam McKay possuem uma marca registrada. Enquanto o artista fala sobre política, ele critica a sociedade, com um tom sarcástico bastante particular. Cartelas e recursos gráficos são impressos na tela, realizando quebras que proporcionam um respiro para o espectador. Ao mesmo tempo, a estratégia revela como o próprio McKay não se leva a sério, elevando o grau de complexidade de suas obras, com pautas relevantes, certeiras, mas com o humor sempre ali.

Vindo da comédia, o roteirista e diretor, sabe como jogar com a dinâmica da suspensão, do absurdo e do timing cômico. O resultado, geralmente, é um nó na garganta. Talvez, o título que havia chegado mais perto de alcançar este efeito com êxito, anteriormente, tenha sido o seu A Grande Aposta. Agora, com Não Olhe para Cima, Adam McKay aumenta o seu potencial de contar histórias e dosa com uma habilidade mais intensa os efeitos colocados na tela, seja em sua direção ou nos encaminhamentos da sua narrativa.

A inserção e retirada de diálogos e a maneira como os textos podem chegar entrecortados são os maiores ganhos do enredo. Há toda uma gama de sentidos criados entre o não dito e o que é explicitado verbalmente, inclusive com gritos. Esta estrutura revela a compreensão de McKay sobre a própria condição humana, seja por sua tolice e egoísmo, ou por seu caráter forte, mesclado ao desejo de sacudir o mundo e clamar para ser escutado de uma vez só.

Além disso, é curioso de observar como, ainda que não realize uma progressão linear de ações nítidas – existem idas e vindas de intensidade nos acontecimentos da trama –, a obra vai se tornando cada vez mais angustiante para quem assiste. Aqui, novamente, pode-se abordar a consciência sobre o uso da comicidade. Gradativamente e sutilmente, a graça se transforma em riso nervoso para, em seguida, virar melancolia e pânico.

Mesmo rindo de si e da humanidade, o desprezo por uma parte da sociedade e o respeito por outra, ganha espaço e não há retorno dentro da história. É notável – e até óbvio – o que McKay deseja convocar em seu longa-metragem. Este é sim um retrato de um país tolo e autocentrado, que enxergou um pouco da verdade sobre si, a partir de 2016. Ao invés dos grandes heróis, salvadores do Planeta, este é um reduto de diversos tolos, ignorantes políticos, preconceituosos e egocêntricos.

O que McKay desconhece é que esta realidade se assemelha a de múltiplos locais da Terra, incluindo o Brasil, com seu presidente genocida e seus apoiadores cruéis e desonestos. Ao se deparar com a sessão de Não Olhe para Cima, seu público pode sim se identificar com todo aquele conteúdo, por mais insano que seja o plot, seu desenvolvimento e desfecho. É justamente isto que Adam faz em sua produção: toma posse do impossível para retratar as pessoas da contemporaneidade.

Não Olhe para Cima

Todavia, o que falta nele é uma visão menos “estadunidense centrada”, por assim dizer. Com um olhar tão voltado para si, ainda que seja para abordar seu país com um olhar cheio de ironia, a salvação de todos os seres humanos continua nas mãos de um único lugar: os Estados Unidos. Nenhum outro local foi capaz de encontrar uma solução eficaz para a catástrofe anunciada.

Além disso, ainda que a tragédia afete a humanidade inteira, somente uma nação é retratada. Este é um incômodo intenso em Não Olhe para Cima, visto que este umbiguismo é recorrente no audiovisual hollywoodiano, desde a sua criação. No entanto, apesar deste engasgo, vale ressaltar outras qualidades presentes no longa. A direção de McKay fomenta a qualidade do projeto.

A decupagem serve ao que está sendo contado com precisão e provoca sensações precisas no público, como na escolha em fechar mais certos planos e utilizar câmera na mão, nos instantes nos quais Kate (Jennifer Lawrence) e Randall (Leonardo Di Caprio) se sentem pressionados ou em pânico. Os enquadramentos e movimentos, juntamente com uma mise-en-scène – que mistura uma marcação caótica e desorganizada, com extremamente limpa ou diversos objetos, com pouquíssimos elementos de cena – contribuem para as interpretações.

As atuações de Meryl Streep (Mamma Mia!) e Di Caprio (Titanic) – que vinham pesando a mão nas suas construções, nos últimos tempos –, chegam aqui firmes e sutis. O jogo de câmera, bem como a montagem de Hank Corwin (Vice), barram certos exageros que a dupla poderia cometer. Neste sentido, também é necessário dar créditos para Streep e Di Caprio, veteranos talentosos, ainda que passem do ponto em alguns de seus papéis. Aqui, ambos imprimem tônus no corpo e na voz, se pôr peso ou sujeira em seus movimentos.

Ambos captam com segurança as intenções do roteiro e criam nuances e camadas para suas personagens. Talvez, este destaque seja tão visível por estas serem as figuras mais complicadas no filme, por possuírem características um tanto estereotipadas, mas que são bem conduzidas, suavizando estes tipos: o cientista estressado e a política egocêntrica. Contudo, Cate Blanchett (Carol) e Jennifer Lawrence (Jogos Vorazes) também trazem boas performances, que geram repulsa ou empatia, a depender da personalidade de cada uma delas.

Em seu resultado geral, Não Olhe para Cima é eficiente em registrar e analisar a contemporaneidade, em todo o seu ilogismo, suas compulsões, suas vaidades. Com uma equipe talentosa, quase nada de seu potencial é desperdiçado. Para ser completo, de verdade, bastava apenas erradicar o pensamento tão alto centrado dos EUA.

Direção: Adam McKay

Elenco: Jennifer Lawrence, Leonardo Di Caprio, Meryl Streep, Jonah Hill, Cate Blanchett, Mark Rylance, Tyler Perry, Ariana Grande, Rob Morgan, Timothée Chalamet

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