Virou recorrente, mas é necessário dizer: um filme razoável do Woody Allen é melhor do que boa parte dos melhores filmes de muitos realizadores. E não deixa de ser verdade. Dirigindo um filme por ano desde os anos de 1970, o cineasta norte-americano possui uma vitalidade que, a despeito de seus detratores, se mantém acesa. Ainda que, em sua atual, a qualidade das produções formem um ciclo com ótimos filmes, como Blue Jasmine (2013) e Meia Noite em Paris (2011), seguidos de outros não tão bons, como Para Roma com Amor (2012) e Você vai conhecer o homem dos seus sonhos (2010), Woody Allen tem sempre alguma coisa a dizer, não se esgota intelectualmente. E considerando a escassez de ideias da cinematografia contemporânea que tem aberto espaço cada vez mais para propostas de gosto duvidoso, sobretudo direcionada para públicos mais jovens com a pretensão de ser mais do que realmente é, isso é um grande conforto.
Dita essa rotineira introdução para todo filme do Allen avaliado como mediano, vamos a Magia ao Luar, mais recente trabalho do cineasta, que se enquadra nesse grupo, o que, óbvio, não o desmerece de forma alguma. O longa acompanha um aristocrata inglês que se apresenta como oriental em um show de mágica e é convidado por um colega para conhecer uma garota que tem exercido um grande fascínio em uma família muito rica. A jovem afirma ter visões do futuro e do passado e acaba, junto com sua mãe, arrancando a confiança de uma crédula viúva e do seu filho, um rapaz que acaba pedindo sua mão em casamento. Cético, o protagonista passa a se afeiçoar pela garota e, pouco a pouco, começa a desconfiar de que suas próprias convicções estão equivocadas.
Como segue a tradição na filmografia de Woody Allen, o protagonista vivido por Colin Firth é uma representação do próprio cineasta e das suas angústias. O personagem não acredita em qualquer questão que não possa ser explicada pela ciência, pela lógica, enfim, por qualquer ferramenta tradicionalmente associada a razão. O contato com a jovem que alega possuir dons telepáticos, vivida por Emma Stone, faz com que esse personagem duvide, por um instante, das suas próprias convicções. É a velha e frágil oposição entre a razão e a emoção, a ciência e a religião, a cognição e o afeto, a matéria e a espiritualidade. Dois lados de uma disputa postos em confronto para confirmarmos que não, um não pode viver sem o outro. Allen não abandona suas convicções, muito mais próximas das convicções do personagem interpretado por Firth, nem deixa de apresentar alguns traços recorrentes de suas representações (as classes mais baixas como ignorantes, enquanto as classes mais altas ou são retratadas como indivíduos sofisticados e intelectualmente superiores ou são apresentadas como alienadas e presas fáceis de golpistas), mas suas provocações direcionadas ao espectador continuam pertinentes, sobretudo em tempos nos quais tudo é entregue de maneira tão mastigada ao espectador.
O filme se excede no seu tempo de projeção e é muito mais linear do que o usual, sem grandes picos dramáticos. Talvez a química entre o diretor e Colin Firth (representação dele) não seja tão intensa do que a que existe entre o cineasta e Emma Stone, que parece ter nascido para trabalhar com Allen, já que apresenta todas as características inerentes de algumas de suas musas mais icônicas, sobretudo aquelas dos primeiros anos do realizador (Diane Keaton e Mia Farrow). O restante do elenco tem bons momentos, como é o caso de Jacki Weaver (a viúva), Marcia Gay Harden (a mãe de Stone) e Simon McBurney (o amigo de Firth). Além dos ótimos insights do roteiro, outra qualidade de Magia ao Luar é sua reconstituição de época promovida pelo trabalho em conjunto de figurinistas, diretores de arte e pela fotografia, fazendo o espectador ser inserido na década de 1920 sem artificialismos ou exibicionismos estéticos.
Assim, mais para o bem do que para o mal, Magia ao Luar apresenta temáticas rotineiras na carreira do diretor, personificadas pelo romance entre um homem mais velho (Firth) e uma mulher bem mais nova (Stone), outra recorrência, se prolonga um pouco mais do que deveria na projeção, é verdade, mas que não deixa de mostrar a força da assinatura de Woody Allen e sua lucidez e propriedade intelectual. Não querendo apelar para trocadilhos baratos, mas já apelando, é a magia, o toque do diretor, sua assinatura, que sempre funciona e torna, independente das comparações que façamos dentro da sua própria filmografia (o que, por si só, já é um sinal positivo), um filme de Woody Allen uma experiência agradável e acima da média sempre.