Crítica: Julieta

Depois de Tudo sobre minha mãe fica sempre difícil para o cineasta Pedro Almodóvar retornar ao seu universo feminino. Qualquer exemplar da sua carreira posterior ao seu filme de 1999 corre o sério risco de viver à sua sombra. Tudo sobre minha mãe é a obra-prima do realizador espanhol, mas também a sua declaração de amor definitiva ao feminino em suas múltiplas e complexas facetas. Volver, longa de 2006 do diretor, por exemplo, é um filme pulsante e cheio de personalidade, mas não tão completo e definitivo quanto Tudo sobre minha mãe.  Julieta, filme de Almodóvar que chega aos cinemas esta semana, é o retorno do diretor a esta celebração do feminino e não é um dos seus trabalhos mais fracos, mas é um exemplar tímido em sua filmografia. Trata-se de um filme agradável, emocionalmente engajado e instigante, porém mais retraído na condução dos seus propósitos de contar uma história governada por personagens femininas fortes e dominantes.

Baseado em alguns contos da escritora Alice Munro, o filme traz um Almodóvar que deseja contar parte da trajetória de Julieta, uma professora de Literatura Clássica que vive uma paixão arrebatadora por um pescador e busca desesperadamente um reencontro com sua filha. No longa, o cineasta nos apresenta sua protagonista no passado e no presente, sendo interpretada pelas atrizes Adriana Ugarte e Emma Suárez, respectivamente, ambas estreantes na filmografia do diretor.

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Escancarando a sua veia melodramática, como de praxe, Pedro Almodóvar faz de Julieta um filme dominado pelas mulheres e, na corrente de títulos como os já mencionados Tudo sobre minha mãe Volver, ainda citaria A Flor do meu Segredo e Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos, o que menos interessa na sua trama são os homens que circulam por ela. A Julieta Arcos do cineasta é uma personagem destinada ao trágico, sua própria profissão parece sugerir isso, e os acontecimentos que a arrebatam a conduzem a um poço sem fim de melancolia que nem mesmo Almodóvar faz questão de conferir um alívio no desfecho do filme. O longa é marcado por um roteiro ritmado como convém aos longas mais envolventes do realizador. Com um dramalhão cheio de revelações e idas e vindas, Almodóvar ainda costura uma protagonista “comum” como a Leo Macías (Marisa Paredes) de A Flor do meu Segredo, uma mulher com desejos e motivações que são capazes de estabelecer a conexão imediata entre o filme e sua plateia.

Entre cumes de felicidade e momentos de completa tristeza, tanto Ugarte quanto Suárez honram o título de novas musas de Almodóvar e trafegam bem pelos percursos que Julieta tende a seguir ao longo do filme. Contudo, o destaque do elenco é, sem dúvida, Rossy de Palma, figurinha fácil na filmografia de Almodóvar e que aqui interpreta Marian, a empregada do interesse amoroso de Julieta, o pescador Xoan, interpretado pelo ator Daniel Grao.

Com Julieta, a impressão que fica é que o próprio Almodóvar não tem maiores ambições, ou seja, não deseja realizar grandes proposições estéticas ou digressões a respeito de temas que o filme potencialmente sugere, mas simplesmente contar uma história envolvente sobre uma mulher com as usuais marcas formais dos seus longas, nada mais que isso. Esse pouco, conduzido com muita fidelidade à gramática cinematográfica do próprio diretor, já é satisfatório. Julieta não é uma rota fora do padrão na carreira de Almodóvar. O filme é marcado pela repetição. No entanto, quando entendemos Julieta como um filme menor, não significa que ele é um longa ruim, muito pelo contrário, tem uma trama envolvente e uma protagonista de “carne e osso”que encontra sua conexão com o público. É um Almodóvar morno, mas bom, agradável.

Assista ao trailer: