Em dado momento do longa Indignação, a jovem Olivia Hutton (Sarah Gadon, de Mapas para as Estrelas), de espírito livre, mas reprimida por uma sociedade conservadora, nota no seu pretendente Marcus (Logan Lerman, de As Vantagens de ser Invisível) uma característica que acaba sendo determinante nas decisões que o mesmo tomará ao longo da história: o rapaz ateu de família judia é intenso, porém tem seus ímpetos de ação travados por alguma razão. Marcus tem muito de si para externar, seu inconformismo com o establishment e com a intolerância, uma forte vontade de subverter regras, mas sempre parece detido por pressões externas que acabam revelando uma faceta negada, sufocada e que o faz recuar em seus movimentos de expansão. O problema é que em um desses recuos, o jovem acaba trazendo severas consequências para a sua vida e para aqueles que ama.
Baseado no romance de Philip Roth, que parece nunca ter tido uma adaptação cinematográfica à altura do seu legado (basta ver exemplos como Revelações, Fatal ou o recente Pastoral Americana), Indignação é um ponto fora da curva ao captar a essência precisa do universo e das ideias do escritor. No longa, Marcus é um rapaz de família judia que vai estudar em uma pequena comunidade de Ohio, onde lida com a repressão sexual e com o abalo das suas convicções pessoais a partir do momento em que começa a se apaixonar pela colega de classe Olivia Hutton e ser objeto de vigilância e censura do reitor da instituição.
Dirigido e roteirizado por James Schamus, parceiro de longa data do cineasta Ang Lee em filmes como O Tigre e o Dragão, Hulk e Desejo e Perigo, Indignação tem um tempo próprio com suas longas sequências de diálogo, discussões que começam de maneira banal e que desembocam em descobertas cruciais para os seus personagens e realiza toda a sua incisiva discussão acerca dos seus diversos temas de maneira discreta e elegante, sem grandes estardalhaços. O realizador tem como centro das suas atenções um estudo sobre a personalidade conflituosa de Marcus, defendido com muita sensibilidade por um maduro Logan Lerman. Schamus põe em evidência as incoerências de um rapaz que é capaz de assumir com firmeza e com dedo em riste seu direito de ser ateu, mas, ao mesmo tempo, toma uma atitude covarde por receio de ferir os sentimentos dos seus pais, cujas vidas certamente não mudariam em nada caso fossem contrariados.
As escolhas de Roth e, consequentemente, de Schamus em Indignação são certeiras e nada óbvias. No lugar de um jovem extremamente apegado a uma religião, seja ela o judaísmo da familia ou o catolicismo, temos um ateu, a quem poderíamos associar instantaneamente à libertação de qualquer amarra social. É por intermédio dessa interessante provocação que Schamus corrói as nossas expectaticas de que, em algum momento, especialmente após o longo debate com o reitor Dean Caudwell (Tracy Letts, de A Grande Aposta), o seu protagonista se tornasse o herói dessa narrativa. Com Marcus, Roth e Schamus querem atingir uma das nossas maiores fraquezas humanas, a hipocrisia. Uma sequência de sonho na qual Marcus se vê no açougue de seu pai vivendo ao lado de Olivia é simbólica. Enquanto o patriarca está preso no armário de carnes, o rapaz beija apaixonadamente e cheio de culpa a garota em uma clara representação do jogo de forças interno que Marcus tem de enfrentar, uma visão dos seus desejos reprimidos por coerções sociais cuja gerência em seus atos nega veementemente. O filme provoca: O que é mais passível de indignação? A sociedade repressora que pune Olivia e ameaça Marcus ou a covardia do protagonista por não ter coragem de levar para a prática o seu discurso? A resposta de Roth e Schamus aponta para as duas opções.
O olhar que Schamus apresenta para a hipocrisia social é potente. Marcus é um personagem mergulhado em contradições. Se de um lado é capaz de formular um discurso progressista em seu embate mordaz com o reitor da universidade, por outro usa e descarta Olivia sem nem perceber o machismo e o julgamento inconsciente que tem sobre as atitudes da moça quando a mesma o surpreende com um sexo oral ou com uma masturbação na cama do hospital. Por sua vez, Olivia, defendida com vivacidade e melancolia por Sarah Gadon, é uma jovem que sofre as consequências das suas tentativas de subverter o regime autoritário e preconceituoso que a cerca, sofrendo punições ainda mais drásticas por ser mulher. Diferente de Marcus, Olivia impõe suas vontades, mas é censurada pelas mesmas e tem o destino mais trágico possível. O desfecho da história desses dois personagens mostra como nesse ambiente de vigilâncias sobre o livre arbítrio a repressão ou a subversão são potencialmente danosas àqueles que optam pelas mesmas.
Em tempos nos quais as pessoas são tão donas da razão e cheias de si em suas convicções políticas, religiosas e filosóficas a ponto de nem perceberem quão hipócritas e desumanas são umas com as outras, Indignação é um filme que tem muita urgência. O longa coloca uma lupa em gente que diz muito, mas que na prática faz muito pouco e quando faz nada corresponde ao que fora sugerido no campo discursivo. Schamus concebeu um filme melancólico e questionador, marcado por um protagonista contraditório que frustra qualquer expectativa de heroísmo ou bom mocismo. No longa, estamos diante de seres humanos falhos que no calor do momento, no sabor das suas emoções instantâneas, são capazes de se acovardar e serem tomados pelo medo das represálias sociais sem que consigam dimensionar que em nome de algo que acreditam ser maior do que a própria vida acabam tornando o mundo um lugar nada amistoso.
Assista ao trailer do filme: