Emilia Pérez (2024)
Karla Sofía Gascón e Zoe Saldaña em 'Emilia Pérez' (2024)

Crítica: Emilia Pérez

Crítica: Emilia Pérez
1.3

O filme mais falado de 2024 enfim está chegando aos cinemas brasileiros. Recheado de polêmicas dentro e fora do seu set, Emilia Pérez tem estreia oficial no Brasil marcada para a próxima quinta-feira (6), mas já está disponível em algumas salas do país como pré-estreia. O longa-metragem francês que tenta retratar uma realidade mexicana está envolvido em inúmeras discussões como a ausência de pesquisa sobre o que de fato é o México, a falta de pessoas nativas na produção, uso de inteligência artificial para melhorar os sotaques e alcances de notas em certas canções, além de um recente ataque direto da atriz principal a equipe de Fernanda Torres (Ainda Estou Aqui, de 2024).

A campanha de Emilia Pérez tem tentado, desde o início, vender o projeto como a inovação do cinema musical quando, na verdade, o longa nada mais é do que uma miscelânea de estereótipos e ideias mal desenvolvidas sobre o México e a existência e vivências de uma mulher trans. É curioso até pensar na participação de Karla Sofía Gascón no filme diante desse cenário. Ela, uma mulher trans espanhola, aceita e defende com unhas e dentes um filme que banaliza completamente os dilemas e as dificuldades vividas por pessoas trans.

Apesar da campanha com ataques recentes diretos à ética de trabalho dos profissionais que cercam sua principal concorrente, Fernanda Torres, Karla é o único ponto positivo dentro da trama. Ainda que sua personagem seja má desenvolvida e tenha inúmeras lacunas nas camadas que deveriam permear sua existência no projeto diante da premissa dele, ela consegue ser o ponto alto em diversos momentos. Arrisco dizer que Karla é, ao lado de sua contracena, Adriana Paz (Meu Amigo Lutcha, de 2023), a melhor coisa em Emilia Pérez. Apesar dos problemas de roteiro, sua performance como a personagem-título é o que pouco consegue prender e tocar o espectador durante a sessão.

No entanto, até que o público consiga se aproximar da personagem principal e se apegar a ela em algum grau, é preciso passar por uma primeira meia hora de filme extremamente sofrível. Espectadores costumam brincar dizendo que determinado filme é tão ruim que se torna bom, mas isso não acontece com Emilia Pérez. E quando falamos dos primeiros 30 minutos de longa, a coisa é ainda pior. Os mais absurdos números musicais acontecem nesse tempo, assim como situações esdrúxulas e estereotipadas impedindo que o público se conecte com a narrativa.

Emilia Pérez (2024)
Selena Gomez em ‘Emilia Pérez’ (2024)

Por falar em números musicais, é impossível não falar deles, afinal, além de ser um musical, eles são um dos piores elementos presentes no filme. Emilia Pérez tem diversos problemas, mas suas canções são terríveis, as concepções coreográficas são risíveis e juntos esses elementos constroem os piores momentos do longa. Se as pessoas reclamaram tanto de Coringa: Delírio a Dois (2024), elas não estão preparadas para os horrores que o longa de Jacques Audiard (Ferrugem e Osso, de 2012, e Os Irmãos Sisters, de 2018) comete contra o cinema musical.

Por falar no cineasta francês, ele é uma das principais razões pelas polêmicas que envolvem o filme. O diretor, em entrevista à BBC, disse que “algo não funcionou” no processo de seleção de elenco no México. Com apenas uma atriz mexicana na produção e nenhuma pessoa do país na equipe técnica, Audiard leva um olhar estereotipado, eurocêntrico e desconexo para a narrativa que ele se apropriou para dirigir e adaptar. Apesar do roteiro ser assinado por ele, o mote central de Emilia Pérez vem de um romance homônimo do autor, também francês, Boris Razon, sobre um barão da droga que muda de sexo.

O curioso é que foi uma proposta do cineasta transportar a narrativa para um país no qual ele não se esforçou minimamente para conhecer e conversar. Ainda nessa mesma entrevista à BBC, Audiard afirma que as imagens estilizadas que ele tinha na cabeça não funcionavam no México e por isso ele decide filmar em Paris. E ele ainda complementa dizendo: “Pode ser um pouco pretensioso da minha parte, mas Shakespeare precisou ir a Verona para escrever uma história sobre aquele lugar?” É essa pretensão e descaso visto em tela com o filme. Por isso que Emilia Pérez soa tão absurdo e esdrúxulo em tantos momentos, pelo descaso do diretor em mergulhar numa realidade que ele mesmo se propôs a falar.

É inevitável que essa desorientação por parte do cineasta francês afete a obra como um todo. Não à toa, as atuações e seus problemas são um reflexo disso. Como dito anteriormente, Karla ainda consegue, em alguns momentos, contribuir com uma performance interessante, da mesma forma que a presença de Paz em cena é a melhor coisa que há, por trazer profundidade e verdade às cenas. Zoe Saldaña (Guardiões da Galáxia Vol.3, de 2023) e Selena Gomez (Only Murders on the Building, desde 2021, e Hotel Transylvania: Transformania, de 2022), no entanto, não conseguem fugir da caricatura cruel que Emilia Pérez representa.

Emilia Pérez (2024)
Zoe Saldaña em ‘Emilia Pérez’ (2024)

Zoe é uma atriz com um trabalho reconhecido e comprovadamente de qualidade, mas sua personagem é terrivelmente desenvolvida nesse roteiro sem pé nem cabeça. Ainda que ela tente, a maior parte de suas cenas são um show de horrores, especialmente os números musicais que a envolvem. Da mesma forma, Selena, que nunca tinha tido uma oportunidade de destaque nas telonas, entrega uma performance que choca de tão fora do eixo. Apesar de em outros trabalhos conseguir ter momentos interessantes como atriz, em Emilia Pérez, isso nunca se realiza e ela entrega uma das piores atuações do ano.

Ainda que tenha essa infinidade de problemáticas, Emilia Pérez é o projeto com mais indicações do ano, chegando próximo de ter se tornado um dos filmes mais indicados da história do Oscar. É importante lembrar que a competição para se tornar um indicado e até mesmo um vencedor do Oscar nada mais é do que uma campanha política e econômica. Infelizmente, a competição vai muito além de qualidade técnica e cênica.

Emilia Pérez tem feito uma forte campanha desde Cannes, tanto que saiu vitorioso de lá com o Prêmio do Júri, de Trilha Sonora e para as três atrizes, Karla, Zoe e Selena. Agora o que resta é saber o quanto essa campanha vai continuar ressoando até o dia do Oscar para ver se 2025 também será lembrado no futuro como uma premiação a ser esquecida, tal qual o ano de Shakespeare Apaixonado (1998), Crash (2004) e Green Book: Um Guia para  a Vida (2019).

Direção: Jacques Audiard

Elenco: Zoe Saldaña, Karla Sofía Gascón, Selena Gomez, Adriana Paz, Mark Ivanir e Édgar Ramírez

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