Da mesma maneira que aclamadas obras ficcionais como Amnésia (2000) e Brilho Eterno de uma Mente sem Lembrança (2004), Diga Quem Sou também trata da perda de memória. O documentário de Ed Perkins — diretor de Ovelha Negra, indicado ao Oscar em 2018 — conta a história de Alex, um jovem de 18 anos que, após um acidente de moto, perdeu a memória. Para sua recuperação, ele confia no irmão gêmeo, Marcus, para relembrar dos acontecimentos de sua infância. Entretanto, há coisas que este prefere guardar no passado e poupar o irmão.
Sendo um tema já fascinante por si só — Alex precisa redescobrir a viver, incluindo coisas banais, como assistir a Tom e Jerry pela primeira vez — Perkins cria toda uma estética que transporta a desorientação do protagonista para a mise-en-scène. Assim, o diretor usa ambientes sem expressividade para o fundo das entrevistas; uma câmera sem foco; pontos de vistas subjetivos trêmulos; e divagações em planos completamente vazios, marcados pela escuridão. Por outro lado, conforme Alex vai recuperando a memória, planos de árvores contorcidas e seus galhos assumem a forma de sinapses se ligando.
Além disso, diversas fotos do passado em formato polaroid vão passeando pela tela durante os relatos dos irmãos. Como Alex afirma, ele cria memórias a partir da junção daquelas fotos, dos depoimentos de Marcus e de sua própria imaginação. Assim, somos colocados novamente na posição do protagonista e também imaginamos esse passado, sem jamais contestar aquilo que é mostrado.
Entretanto, desde o início é perceptível que há algum incômodo e ansiedade crescendo na narrativa. Se a princípio os planos interiores e exteriores da casa da família, que possuem uma áurea mística e contemplativa, parecem aleatórios, o avançar da história justifica essa força magnética que atrai tudo para aquele lugar. Por isso, ao fim de Diga Quem Sou, quando as correntes invisíveis são quebradas e a câmera passeia para fora daquela propriedade, é muito significativo. É o verdadeiro abandono do passado.
Dividida em três atos, o documentário ganha contornos perturbadores a partir de sua segunda metade. Tendo consciência disso, Perkins aumenta a sensação de desconforto ao acrescentar uma trilha sonora melancólica e planos que abusam da liberdade poética, como o da mesa de jantar vazia no gramado da casa. Longe de ser uma escolha estética aleatória, essa quase confusão entre ficção e drama vai perfeitamente de encontro com a própria mente de Alex, que passa a questionar sobre a veracidade de suas próprias memórias.
Do ponto de vista documental, esta divisão — um ato para cada irmão — permite que cada ponto de vista tenha a atenção devida. Sem apontar dedos, há erros e acertos por parte de ambos, vítimas de algo muito maior. Já quanto ao que foi incluído ou não por Perkins, uma investigação mais profunda sobre o passado dos pais poderia ter sido mais esclarecedora no sentido de entender as raízes do problema.
Contudo, entende-se tal escolha, pois o filme está mais preocupado com a complexa relação entre irmãos. Adicionalmente, o fato de serem gêmeos aumenta o vínculo desse caráter, uma vez que um é o espelho do outro, tanto fisicamente quanto de memórias compartilhadas. Isso tudo leva a debates sem respostas sobre questões como até que ponto uma pessoa pode ter influência e controle sobre a vida da outra.
Certamente, Diga Quem Sou não poderia ter surgido em uma época mais oportuna. Com os calorosos debates sobre a inclusão da educação sexual na escola, esta infeliz história real realça a importância do tema. Mais do que isso, pois mostra como a pedofilia é extremamente silenciosa e as aparências podem enganar. Crianças precisam aprender a identificarem pais monstruosos.
Diretor: Ed Perkins
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