Crítica: Deslembro

Escrito e dirigido por Flávia Castro (Nise: O Coração da Loucura), Deslembro conta a história de uma adolescente que volta ao Brasil em 1979, quando a Lei da Anistia é decretada pelo governo brasileiro. Com saudade da França, país no qual morou por alguns anos, ela vai se acostumando, aos poucos, com o fato de que está de volta. Mesclando conflitos internos da adolescente com discussões sociais e políticas profundas, o longa passa a impressão de desejar ser poético e sensível.

Castro tem um olhar cuidadoso e a atmosfera durante a projeção consegue elucidar para o espectador quem é aquela jovem e seus turbilhões de sentimentos, demonstrados em um close ou na ausência de texto falado em algumas ocasiões, por exemplo. O trabalho da direção, aliado com o da fotografia de Heloísa Passos (Lixo Extraordinário), revela a atenção para com os enquadramentos escolhidos na hora de retratar a protagonista. Joana (Jeanne Boudier) possui a necessidade de remontar as memórias da sua infância, das que aconteceram antes da fuga para Paris. Os planos detalhes auxiliam a contar isto e chegam como uma espécie quebra-cabeças da mente da menina.

No entanto, há um quê de exagero de tom de poesia na produção. O aparente desejo de entregar um material esteticamente belo é válido, porém o tom, em alguns momentos, não consegue se emparelhar com o que está acontecendo. A temperatura azulada, com o toque de elementos marrons da direção de arte, eleva essa característica que remete a como as lembranças passam pela mente das pessoas, mas também o que se vai perdendo com o passar dos anos. A questão é que a escolha soa exagerada, pois o clima altamente nostálgico e bucólico é utilizado até seu desgaste e entra em sequências supostamente simples, como a cena de dois adolescentes se “chapando” na praia ou “se pegando” na casa dela.

Este aspecto é suavizado nos instantes nos quais Boudier contracena com Eliane Giardini. A intérprete faz o papel de Lucia, avó da personagem principal e, apesar do força e tensões que carrega da sua vida pregressa, ela quem vem para ser o alívio dentro da narrativa. Os momentos são de respiro não apenas pela própria leveza dos diálogos entre elas, que são engraçados, mas pelo toque de genuíno que habitam as intenções do texto. Giardini utiliza as pausas e os olhares – ou a falta deles – para criar o laço familiar que a dupla da ficção não pôde ter antes, pois Joana morava em outro país. As cores inseridas nas conversas delas são mais quentes, ainda que não se distanciem da proposta da equipe técnica, quebram um pouco com a dinâmica presente no restante da obra.

Ainda que Deslembro carregue nas tintas ao buscar entregar uma reconstrução da memória de uma jovem fugida e órfã de pai, o resultado final pode ser agradável. Apesar da desmedida já citada, o discurso ideológico, o cuidado com o retrato de Joana e a sua relação com a avó trazem qualidade para a história e deixam que ela seja contada de maneira quase equilibrada. Ela chega bem perto!

Direção: Flavia Castro
Elenco: Jeanne Boudier, Eliane Giardini, Hugo Abranches

Assista ao trailer!