Inspirado no livro homônimo da escritora Tati Bernardi, o novo longa-metragem Depois a Louca sou Eu, da diretora Júlia Rezende (Ponte Aérea), coloca o espectador para acompanhar as desventuras de uma personagem que sofre de transtorno de ansiedade. Através de uma linguagem que mescla metáforas e discursos diretos, há uma progressão na narrativa para mostrar as idas e vindas de Dani (Débora Falabella) em suas crises de pânico, na sua maneira de lidar com a sociedade, seus medos e amores, que alternam junto com seu estado psicológico.
São múltiplos sentimentos e sensações que explodem na tela. É notável a vontade de Rezende de, partindo de movimentações de câmera e angulações, refletir cada emoção de Dani. Entre plongées e zooms, é possível encontrar uma aproximação com a personagem, o que gera empatia e reflexão sobre a situação na qual ela está inserida. Durante a projeção, são reveladas circunstâncias que, com uma pequena lente de aumento, podem abordar o funcionamento da mente de boa parte população, nos tempos contemporâneos.
Entre exigências, planos para o futuro, criações diversas da família e a necessidade de conviver com o outro, os conflitos internos parecem explodir e todos acabam se deparando, em algum momento, com a procura de técnicas para fugir de si mesmos ou para suavizar o estresse do cotidiano. Obviamente, para aqueles que sofrem de ansiedade, a identificação com a obra pode ser um pouco mais intensa. Em seus primeiros minutos de exibição, o tom parece um pouco mais elevado.
A entrada neste ritmo intenso de Dani soa sufocante, no sentido de que muito sobre ela é revelado em pouco tempo e é preciso respirar fundo para acompanhá-la. No entanto, ao mesmo tempo, há uma transmissão bastante efetiva sobre uma pessoa que sofre com ansiedade e pânico na maior parte do tempo. Para elevar esta potencialidade dentro da trama, a fotografia se sobressai, principalmente, em instantes de virada do enredo, quando Dani tem mudanças repentinas de humor ou novas ideias. Uma comparação mais nítida pode ser feita ao se olhar para o início de Depois a Louca sou Eu, que possuem tonalidades mais abertas e há mais luz no quadro.
Em contrapartida, na sequência em que Dani se sente acuada, no meio da rua, a luminosidade é reduzida e as cores são mais fechadas. O vermelho e o verde se mantêm durante todo o longa-metragem, o que muda, de fato, é a entrada da luz. A atenção para o olhar de Dani em relação ao mundo é também, assim, ampliada. Estes artifícios engrandecem a obra e até mesmo os seus exageros vão se tornando mais palatáveis à medida que ela avança, porque, quando mais quem assiste vê o desenvolver de Dani no quadro, a sua lógica colocada no princípio se torna mais cabível.
Com os recursos técnicos que fomentam os traços da sua personalidade, este efeito acaba ficando garantido. Ainda assim, alguns pontos acabam por ser incômodos em Depois a Louca sou Eu. O primeiro fato é a forma rasa como são colocadas as personagens coadjuvantes. É entendível que os arquétipos são postos de forma consciente, como figuras que sufocam Dani e como a visão sobre eles é bem particular dela. Contudo, não existe uma tentativa de deixar eles menos planos, com alguma particularidade ou característica que os humanize em alguma medida.
Seja na mãe controladora, no médico machista charlatão ou no namorado complicado, não se vê interações além das superficiais, que são reforçadas a todo instante. Outra questão que pode ser apontada são as soluções fáceis para a resolução dos conflitos. Quando Dani passa por algum problema ou dúvida, a saída é quase imediata. Além disso, apesar das peripécias diversas, a obviedade do desfecho do longa se confirma em seu final e não movimenta a personagem para uma mobilização efetiva, mas sim para uma conformação dela com a sua realidade.
Mesmo que toda a sua jornada se justifique para que este entendimento pessoal de Dani ocorra, talvez, fosse mais cabível segurar alguns elementos que são descartados na metade do filme, quando Dani embarca em outro momento de sua vida. Desta maneira, pode-se dizer, sem dar spoilers da finalização da produção, que as respostas estavam todas antes da passagem do segundo para o terceiro ato e resta uma impressão de que a trajetória de Dani estava mais expressiva ali.
A parte 2, então, soa um tanto inútil para o acompanhamento de sua jornada, esvaziando um pouco da qualidade geral de Depois a Louca sou Eu. No entanto, ao analisar o material em sua totalidade é uma sessão que pode valer pelas prováveis identificações e para que o público, em alguma medida, ao rir – mesmo que de nervoso – das vivências da protagonista, consiga rir um pouco, também, da sua própria miséria particular e diária.
Direção: Júlia Rezende
Elenco: Débora Falabella, Gustavo Vaz, Débora Lamm
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