Crítica: Demônio de Neon

Integrante da seleção oficial da mais recente edição do Festival de Cannes, Demônio de Neon não agradou muito a audiência presente em suas sessões. Dirigido pelo dinamarquês Nicolas Winding Refn, que cinco anos atrás levou o prêmio de melhor direção no mesmo festival com o irretocável DriveDemônio de Neon é mesmo um longa difícil, repleto de elementos que potencialmente brecam a relação do espectador com o próprio filme (e me refiro a públicos com os mais variados repertórios).

Na sua estética, Demônio de Neon  tem a impressão digital do seu realizador, conhecido pela composição requintada dos seus quadros. Em meio a tudo isso, Refn quer tratar sobre os percalços de uma modelo newcomer, como uma versão de Cisne Negro ou Whiplash no mundo da moda, com direito a “modelos canibais” e passagens repletas de simbolismo. O resultado sugere uma riqueza de informações, porém, se refletirmos um pouco mais sobre tudo que fora visto nesse universo neon de Refn, muito pouco se aproveita para além do seu preciosismo plástico.

No filme, Elle Faning (de Super 8) é uma aspirante a modelo recém chegada a Los Angeles que passa por toda sorte de provações nos bastidores da moda, desde a truculência do administrador do condomínio “pé de chinelo” no qual passa a morar, interpretado por Keanu Reeves (De Volta ao Jogo), até a inveja das suas colegas de trabalho e a cobiça sexual de profissionais do ramo, como a maquiadora Ruby vivida por Jena Malone (da franquia Jogos Vorazes). Ao longo do filme, o espectador vai acompanhar a transformação dessa jovem, que deixa a inocência de lado e passa a jogar as regras desse jogo.

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Refn traz elementos do terror para Demônio de Neon transformando-o em uma grande alegoria sobre os meandros espinhosos da afirmação profissional durante a fase de transição da adolescência para a vida adulta, mas também quer abordar questões típicas do mundo fashionista como o lugar da beleza, a vaidade, a fama etc. Refn faz isso através de composições visuais sofisticadas e dotadas de inventividade, fazendo com que cada quadro do filme tenha muito potencial simbólico.

É uma pena que, se de um lado, Demônio de Neon nos fascina plasticamente, deixe a desejar no desenvolvimento dos seus próprios temas que têm essas construções pictóricas como porta de acesso. Se pensarmos sobre o que o filme tem a nos dizer a respeito dos seus temas mais caros, percebemos que ele não acrescenta absolutamente nada a tudo que já foi dito. Isso faz com que o longa se localize no terreno do senso comum sobre a selvageria do mercado de trabalho, o fascínio que temos com o belo e a consequente formação de uma sociedade perversa e artificial em torno dessas questões.

Do filme, fica o registro dos esforços de Elle Faning, que demonstra muita segurança na maneira como conduz a tortuosa trajetória da protagonista Jesse. No mais, assim como acontecera no longa anterior do diretor, Só Deus Perdoa, Demônio de Neon parece o resultado do trabalho de um realizador que perde tempo demais na contemplação da sua própria habilidade de construir quadros plasticamente arrojados. Quando paramos para pensar em tudo o que foi visto, claro que reconhecemos a destreza de Refn nesse propósito, mas questionamos o próprio êxito do filme quando todas as questões que parecem caras a história são abordadas na superfície.

Assista ao trailer do filme: