Clonaram Tyrone!

Crítica: Clonaram Tyrone! (Netflix)

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Tyrone. Quem seria Tyrone? Talvez, o espectador se faça essa pergunta mentalmente, enquanto assiste ao novo longa-metragem de Juel Taylor (Nightbear). Isto pode ocorrer porque os primeiros 30 minutos de Clonaram Tyrone! são um tanto enfadonhos, pois esta é uma obra que demora de engatar. Pari passu, no enredo, somente vemos como figuras centrais Fontaine (John Boyega, A Mulher Rei), Slick Charles (Jamie Foxx, Homem-Aranha: Sem Volta para Casa) e Yo-Yo (Teyonah Parris, A Lenda de Candyman). Nenhum Tyrone. 

Todavia, lenta e progressivamente, este questionamento começa a se esvair, dando lugar para o entendimento da razão de tal lentidão. Para conseguir evidenciar qual é realmente o plot desta produção, com toda força que ele merece, é necessário que o engajamento naquele universo de imagem granulada e sombria seja lento e gradual. É preciso que quem assista ao longa se sinta como o protagonista Fontaine: perdido, oprimido e solitário, mas com sede de descobrir a verdade.

É por isso que tanto o roteiro, quanto a direção de Juel  investem em criar uma atmosfera de suspense gradativo e de tom absurdista. A decupagem revela este aspecto de uma forma profunda, com movimentos de câmera e enquadramentos que vão se tornando mais arriscados  e menos convencionais, à medida que a trama avança. Os super closes, com zoom outs lentos, imprimem na fruição a sensação de que é necessário olhar bem de perto, e para cada detalhe, o que está sendo mostrado, para que o todo seja compreendido completamente. 

O mesmo pode ser dito das escolhas de temperaturas, que iniciam no bege, em tons pasteis, que casam com a ambientação de cotidiano repetitivo; passando pelo ciano, para ilustrar a melancolia e angústia de Fontaine, até ganhar tons mais saturados, conotando toda a libertação do trio central. No entanto, o mais relevante aqui é como o estético/imagético, combinado às pinceladas de ficção científica, dialogam com a construção discursiva desta história.

Clonaram Tyrone!

As pautas raciais e de classe estão todas ali, permeando os diálogos e as ações das personagens em Clonaram Tyrone!. O debate sobre questões complexas e graves, como a eugenia e o falso discurso de igualdade de raça, são postas em cena através de metáforas ou até mesmo de maneira direta. É forte e avassalador – como na cena em que  Fontaine conversa com o cientista e entende o que está sendo planejado para a população negra no mundo, ainda que comece em seu bairro -, porém são trazidas costuradamente com a premissa e a construção de personagens e mundo ficcional. 

Todavia, esta intensidade temática é deglutível somente porque todos os assuntos são equilibrados com momentos cômicos ou de intimidade e aproximação das personagens. Inclusive, este é um dos maiores ganhos do filme: a relação de Fontaine, Slick e Yo-Yo. Além da escrita destas figuras ser bem elaborada – com camadas e personalidades distintas bem estabelecidas em seus atos e falas –, os intérpretes mostram que conhecem bem seus papéis, criando dimensões amplas para eles.

Seja indo para os arquétipos de traficante, cafetão e prostituta, até a quebra destes estereótipos, os atores fazem com que a dinâmica entre os três amigos, e deles enquanto indivíduos, seja permeada de gradações, de graus de emoções, sentimentos e desejos, que são captados por olhares, respirações, silêncios e formas de caminhar. É bonito vê-los em cena, jogando com o texto e criando uma cumplicidade que cresce em cada sequência. 

Assim, Clonaram Tyrone! é ousado em colocar no ecrã um mundo quase distópico, sem temporalidades definidas. Com uma premissa e um desenvolvimento arriscados, ele vai além do que se é visto em termos de cinema na contemporaneidade. Vê-se nele a combinação ideal dentro do audiovisual: é político, porém com amor à técnica cinematográfica. Ainda que peque em demorar de engatar, quando o ritmo deslancha, uma sessão prazerosa e instigante é entregue.

Ah! Sobre quem é Tyrone! Bom, sem spoilers!! É preciso assistir ao filme para entender quem é este homem citado no título. Mas, você, caro leitor, pode embarcar nesta projeção sem medo, pois não irá se arrepender de fazê-lo!

Direção: Juel Taylor

Elenco: John Boyega, Jamie Foxx, Teyonah Parris

Assista ao trailer!