Crítica: Boyhood – Da Infância à Juventude

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Mãe solteira: Personagem de Patricia Arquette cuida dos dois filhos praticamente sozinha. Atriz está excelente no longa e tem chances de ganhar o Oscar de melhor atriz coadjuvante.

 

De 2001 a 2011, o público acompanhou o crescimento dos atores da saga Harry Potter testemunhando a cada filme o amadurecimento dos ingleses Daniel Radcliffe, Emma Watson e Rupert Grint. No entanto, ainda que tenha sido uma experiência gratificante e única, muitos elementos da trama disputavam a atenção do público e competiam com as reflexões que a franquia trouxe sobre o amadurecimento de um jovem. Natural, querendo ou não, Harry Potter é um blockbuster e ele foi coerente por atender às suas demandas. A experiência de Richard Linklater em Boyhood – Da Infância à Juventude é completamente diferente, mas “bebe” de uma fonte parecida, talvez algo mais próximo do que o próprio diretor fez na trilogia iniciada por Antes do Amanhecer. Aqui, diferente do que acontecia em Harry Potter,  o propósito final é justamente esse, voltar seus olhos para o amadurecimento de um garoto comum e as reflexões que os diversos ritos de passagem impõem sobre o futuro, a trajetória dos nossos pais e sobre a forma como conduzimos a nossa vida até então. Nada de universo fantástico, grandes poderes ou grandes feitos. Nada de grandes metáforas ou elucubrações visuais. Como costuma fazer com uma certa frequência em sua filmografia, Linklater lida com o cotidiano e através disso pretende estabelecer pontes que ligam o espectador com as vidas de cada um dos personagens que habitam a tela.

Em Boyhood – Da Infância à Juventude o diretor e roteirista acompanha o crescimento de Mason, o filho mais novo de pais separados. Entre a inconstância de sua mãe, que muda de cidade, emprego e marido com uma certa frequência no intuito de buscar uma vida melhor e referências familiares sólidas para Mason e sua irmã, e os finais de semana com o seu esforçado, divertido e sonhador pai, o garoto molda o seu caráter, a sua ordem de preocupações com o futuro e as suas relações afetivas. Através do crescimento desse menino, que é vivido em “tempo real” pelo mesmo ator, Ellar Coltrane (os outros personagens também são interpretados pelos mesmos atores ao longo de doze anos), Linklater constrói um simples porém profundo olhar sobre a própria vida indagando-se: Como crescemos? O que é determinante para a nossa formação? Como nossos pais acompanham esse processo e o que eles se tornam ao final disso?

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Mason com o pai: Personagem de Ethan Hawke fica com o lado mais suave das responsabilidades de criar um filho, mas não menos pesado.

 

Richard Linklater trabalha com a banalidade em Boyhood – Da Infância à Juventude. Não existe nada de extraordinário na vida daquela família, tampouco na trajetória e nos dilemas do seu protagonista Mason (Ellar Coltrane). É nessa familiaridade, nessa falta de singularidade, que reside o interesse no longa. De uma forma ou de outra, o filme é o relato de vida de cada um de nós, da forma como lidamos com as expectativas em torno das nossas vidas. O que fazemos com as nossas frustrações? Cedemos às imposições do cotidiano ou encaramos nossos desejos? E nossos pais? Não passam de extensões de nós mesmos, para Linklater, tentam fazer o melhor que podem mas são tão inseguros quanto a gente e, por vezes, estão mais aprisionados do que nós, afinal têm filhos e assumem uma carga de responsabilidade completa e indelegável sobre as suas formações, principalmente as mães, que, na falta de uma figura masculina presente no dia-a-dia, acabam “trabalhando por dois”. No fim das contas, ainda que atabalhoadamente (porque são tão humanas quanto nós), fazem o seu melhor.

Não existe nenhum arrojo técnico em Boyhood, Linklater confia seu filme completamente aos seus atores. Acompanhar os doze anos de Ellar Coltrane, que de certa maneira se funde com o amadurecimento do seu personagem Mason, é uma experiência interessante. Da mesma forma que vemos crescer Lorelei Linklater, filha do diretor e intérprete da irmã do protagonista. Acompanhamos os dois desde os seus espontâneos desempenhos quando mais novos, até se firmarem como atores de fato, lidando com dilemas ainda mais complexos na juventude de Mason e sua irmã. O mesmo pode ser aplicado aos atores que vivem os pais, Ethan Hawke, constante parceiro do realizador, e Patricia Arquette, uma das performances mais emocionantes do filme e que tem tudo para lhe render uma indicação ao Oscar (aliás, esse filme é sério candidato em diversas categorias). Hawke personifica a figura do pai que tenta suprir a ausência cotidiana mantendo uma relação franca e despojada com seus filhos. No outro lado temos a mãe vivida por uma Patricia Arquette, que simplesmente brilha durante toda a projeção ao apresentar-se como uma presença feminina forte e empenhada em funções sobre humanas. Arquette protagoniza uma das cenas mais memoráveis do longa na qual sua personagem sintetiza a sina da maternidade,  esquecer de si mesma ao dedicar uma vida inteira a terceiros (os filhos). Não existe nada mais empático do que isso.

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A vida de cada um de nós: A trajetória em tempo real de Ellar Coltrane (ator) e Mason (personagem) é a mesma dos espectadores do filme, dai a grande empatia do público com a história.

 

As pessoas costumam nos dizer para aproveitarmos os momentos, não deixarmos passar as oportunidades diante dos nossos olhos, não perdermos tempo com coisas que talvez não nos trouxesse a segurança que a idade adulta requer. Ao final de Boyhood uma das personagens do filme diz a Mason que as coisas não deveriam ser dessa forma, enfim, está tudo de cabeça para baixo e é essa a sensação que surge latente na adolescência e aparece como um fantasma na maturidade. Diz essa personagem que ao invés de termos que aproveitar o momento é o momento que deveria nos aproveitar, aproveitar nossas potencialidades, nossas singularidades. Boyhood pode até ser uma das realizações mais intensas do cinema norte-americano atual, é prematuro afirmar isso cabalmente. O filme é realçado por notícias sobre o seu processo de produção que é indubitavelmente fascinante e traz um efeito interessante para o espectador. No entanto, o fato de ter sido filmado em doze anos acaba colocando-se a frente da própria obra, como um selo que por si só garante a sua qualidade. No fundo, esse longa de Richard Linklater não é especial por essa razão – ou melhor, também -, mas por falar de maneira tão simples e sensível sobre questões que nos tocam e nos acompanham por toda uma vida, isso sim é uma virtude de Boyhood.