Barbie finalmente chegou aos cinemas e eu falo com tranquilidade que é um dos filmes mais esperados dos últimos tempos. O hype em cima do longa só fez crescer as expectativas, com as marcas aproveitando o momento para fazer coleções exclusivas, cheias de rosa, com direito até a maionese de hambúrguer pink e, porque não, acarajé rosa. Toda essa euforia com o longa, claro, tinha motivo, já que o marketing foi tão bem feito que as pessoas estavam ansiosas por algo que não sabiam nem exatamente o que esperar. Só sabíamos do roteiro de maneira mais ampla.
Fico profundamente feliz em dizer que Barbie vale toda a expectativa que foi criada. O filme é simplesmente primoroso em todos os detalhes. Começamos com o mundo encantado da Barbielândia, onde todas as bonecas vivem harmoniosamente, como num conto de fadas. Lá são as mulheres que dominam, como um grande matriarcado utópico. Elas têm a certeza de que inspiraram meninas e mulheres do mundo real a serem mais fortes e lutarem por seus objetivos.
As coisas começam a dar errado quando a Barbie Estereotipada (Margot Robbie, Babilônia) começa a apresentar alguns defeitos. No desespero, ela recorre à Barbie Esquisita (Kate McKinnon, O Escândalo), que sugere que ela faça uma viagem para o mundo real e resolva o problema diretamente com a sua humana responsável. No meio do caminho, o Ken (Ryan Gosling, Blade Runner 2049) se esconde em seu carro e decide ir junto com ela.
Uma premissa muito simples que vai sendo bem trabalhada desde o início. As nuances dos detalhes mostram como a boneca funciona num mundo imaginário, não apenas porque ela toma banho em um chuveiro que não cai água ou sai flutuando de seu quarto até o carro (como acontece nas brincadeiras com a boneca na vida real), mas também porque a distopia de um mundo que não oprime as mulheres é tão surreal quanto parece.
O roteiro, que conta não apenas com a diretora Greta Gerwig (Adoráveis Mulheres), como também com Noah Baumbach (História de um Casamento) traz uma melancolia discreta sobre o quão incríveis as mulheres poderiam ser num mundo onde o patriarcado não minasse suas expectativas e possibilidades. Rimos muito ao longo de todo o filme, mas sempre ficamos na dúvida se é uma risada nervosa ou despretensiosa. O tom de acidez é na dosagem certeza, trazendo sempre aquele amargor adocicado da realidade.
Lidar com o mundo real foi um grande choque para a Barbie, descobrindo que as mulheres não são respeitadas nem ouvidas. Isso a faz sucumbir em emoções e sentimentos que nunca vivenciou anteriormente, fazendo-se questionamentos sobre o propósito da vida e qual seria o seu papel ali. Em meio a essa crise existencial profunda, o Ken, que é apenas o acessório em Barbielândia e vive em função da sua boneca, começa a usufruir daquele patriarcado onde qualquer homem sem qualidades consegue se destacar. Ele, que é um nada, vê naquilo uma esperança.
O filme mostra constantemente como a vida é extremamente fácil e benevolente para os homens, enquanto as mulheres precisam se desdobrar em mil e não ter nem o espaço ou reconhecimento pelo esforço. A boneca Barbie entra como uma possibilidade que foi completamente deturpada pela empresa que a detém, a Mattel (muito criticada no longa). A criadora original Ruth fala sobre a sua intenção por trás da boneca e como as coisas não saíram como esperado, justamente por conta dos homens.
Barbie é um filme que se aprofunda nas sutilezas de seu tema, tocando detalhes do quanto o patriarcado é nocivo para as mulheres, de uma maneira tão íntima que apenas nós mesmas vamos perceber. Definitivamente é um longa que vai funcionar diferente para cada gênero. Ainda que o homem comum possa se compadecer de toda aquela situação, ele certamente vai perder várias alfinetadas, pelo simples fato de que aquilo não o afeta em nada.
Alfinetadas essas que definem a trama da personagem a todo momento, nos levando do riso ao choro, sem que a gente seja nem avisado. O roteiro é impecável, a execução é primorosa e toda a expectativa que eu tinha sobre o longa foi cumprida para mais. Poucos filmes me fazem ter a sensação de que são incríveis ainda durante a sessão. E esse foi um deles. E pensar que uma boneca tão estereotipada como a Barbie pudesse render um filme altamente feminista, não é?
Como um soco no estômago leve, engraçadinho e muito rosa, Barbie transcende a expectativa de que é apenas um hype blockbuster criado para vender merchandising. Acredito inclusive, que essa foi uma jogada muito estratégica e inteligente de Greta para vender mais o filme, fazer mais pessoas assistirem e ela tentar disseminar ainda mais a sua mensagem. O mundo pode ser das mulheres, sim. Mas é preciso um longo e doloroso processo de transformação para que tudo seja mudado a ponto de termos, no mínimo, um equilíbrio.
Direção: Greta Gerwig
Elenco: Margot Robbie, Ryan Gosling, America Ferrera, Ariana Greenblatt, Simu Liu, Kingsley Ben-Adir, Issa Rae, Michael Cera, Emma Mackey, Will Ferrell, Dua Lipa, Hellen Mirren, Ncuti Gatwa, Kate McKinnon, John Cena
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