Atlantique

Crítica: Atlantique

A figura visual mais forte de Atlantique (Atlantics) é, sem dúvidas, o mar. Repleto de significados, ele pode ser o pôr-do-sol no horizonte que fixamos nosso olhar vazio enquanto sonhamos com uma vida melhor. Afinal, a linha do horizonte está ali e existe, mas, ao mesmo tempo, parece distante e inalcançável. Mas o mar é também lugar de lamento, imensidão, solidão. Mais do que isso, é o constante vai-e-vem das ondas que, momentaneamente, trazem algo de volta para a superfície, apenas para puxar novamente de nosso alcance.

Vencedor do prêmio Grand Pix no Festival de Cannes deste ano e representante de Senegal no Oscar, Atlantique começa com a história de amor entre Ada (Mame Bineta Sane) e Souleiman (Ibrahima Traoré). Como jovens apaixonados, eles possuem muitos sonhos, ainda que no meio de tantas adversidades. Ada está prestes a se casar com um homem que ela não escolheu e Souleiman é um pedreiro que não recebe a 4 meses. Buscando novas oportunidades na Espanha, ele embarca em um navio para fazer a travessia ilegal e desparece. No entanto, meses depois, surgem boatos de que ele está de volta e é o principal suspeito de um crime.

A estrutura do longa de Mati Diop lembra muito obras como Som Ao Redor (2012), de Kléber Mendonça Filho e Mal dos Trópicos (2004), de Apichatpong Weerasethakul. Em comum, esses filmes começam no terreno do realismo social e, gradualmente, embarcam na fantasia. Todavia, não se trata de uma mudança abrupta. Existe essa presença invisível do fabular desde o início de Atlantique.

Atlantique

A montagem interrompe a narrativa para insistir na figura do mar, a edição de som aumenta ao máximo o barulho das ondas entre os diálogos, a iluminação faz com que a poeira da construção gere esta grande áurea mística, como uma neblina cobrindo a região. De mesmo modo, a presença da religião e da cultura africana é muito viva aqui, principalmente com os coloridos figurinos que ajudam na naturalização desta presença do sagrado e do misticismo na história.

Neste sentido, a transformação sentimental do longa senegalês se faz muito óbvia com o enorme contraste na paleta de cores. Inicialmente, o azul do mar está presente em tudo, pois o sentimento predominante é o da esperança, da inocência, da pureza de Ada e Suleiman. Após o desaparecimento dele, o vermelho e amarelo do calor dominam. Essa mudança acompanha o clima de mal-estar que vai surgindo em crescendo, até chegar ao ápice do sensorialismo. O longa assume um tom tão macabro, que chega a flertar com o terror em alguns momentos.

Todo esse poder imagético causado pelas sensações executadas por Diop estão muito em prol da narrativa de Atlantique. A destruição dos sonhos em detrimento do capital. Eles sufocam seus protagonistas e retiram suas esperanças, mas a fábula social surge para representar a força transcendental do amor. Não há como burlar a morte no mundo real, mas o cinema é um mar de possibilidades. Dentre elas, a prolongação das dimensões temporais. Por isso, quando aqueles corpos dançam entre luzes verdes, é a postergação, ainda que momentânea, de um último adeus, naquele ambiente quase transcendental e metafísico.

Direção: Mati Diop

Elenco: Mame Bineta Sane, Amadou Mbow, Ibrahima Traoré, Nicole Sougou

Assista ao trailer!

Você pode assistir ao longa Atlantique diretamente na Netflix.