Adeus à Noite

Crítica: Adeus à Noite

O jovem da sociedade contemporânea é influenciado por qualquer tipo de coisa. No mundo ocidental, observam-se meninas sendo sexualizadas pela indústria pop. Do outro lado, há aumento da conversão em massa para o fundamentalismo islâmico e recrutamento para a jihad. Há essa constante busca da nova geração por um lugar de pertencimento que faça a vida parecer útil. No meio desse caos, Adeus à Noite traz a idosa Muriel (Catherine Deneuve, Indochina), tentando entender as mudanças do mundo. Para ela, é quase como se esta geração falasse uma língua diferente.

Quando seu neto, Alex (Kacey Mottet Klein, Quando Se Tem 17 Anos), volta para a casa, a idosa já não o via há anos. Posteriormente, não demora muito para Muriel descobrir que seu neto havia se convertido, juntamente com a namorada Lila (Oualya Amamra, Divinas), ao islamismo. No entanto, o que ela não sabe é que Alex pretende ir para a Síria e fazer uma missão suicida. Para isso, ele precisa juntar dinheiro, enfrentando um dilema moral ao cogitar roubar da própria avó.

Dirigido e roteirizado por André Téchiné (Rosas Selvagens, Quando Se Tem 17 Anos), Adeus à Noite encontra-se em uma área bastante cinzenta. Afinal, o fanatismo religioso é um problema do mundo e precisa ser combatido, mas é fundamental que não haja generalização. Ainda que em vários momentos o filme prefira observar e não fazer julgamentos, sua mensagem soa ambígua, uma vez que não fica claro se ele critica apenas o radicalismo islâmico ou essa religião como um todo.

Como um observador, Téchiné gosta de capturar a beleza nos pequenos gestos da purificação antes da reza, mostrando Alex calmamente se lavando. Do mesmo modo, o diretor deixa claro, desde a primeira participação do personagem, o respeito que ele possui pela tradição, ao virar de costas quando Lila troca de roupa. Por isso, quando posteriormente o casal se beija pela primeira vez, há uma belíssima pureza e inocência neste ato filmado pelo diretor, que também destaca as sombras dos dois na parede, como se suas almas se encontrassem pela primeira vez.

Adeus à Noite

Entretanto, o roteiro não consegue fugir de algumas armadilhas sobre o sensível tema. Na sequência inicial do longa, logo antes da chegada de Alex, a plantação de Muriel está apodrecendo. Ao mesmo tempo, surge um eclipse solar que não pode ser olhado diretamente pelos olhos. Por analogia, há um simbolismo que representa o islamismo como a escuridão que tapa momentaneamente o caminho para a luz. Essa ideia de temporariedade é reforçada pela estrutura temporal do filme, dividido por estações do ano. Da mesma forma, na única sequência poética de Adeus à Noite, a personagem de Deneuve encontra um javali, visto como uma força destruidora.

Enfim, esquecendo o conteúdo e fazendo uma análise apenas estrutural, Adeus à Noite também possui diversas facilitações narrativas. Tanto o fato de Muriel já ter tido um candidato a funcionário ex-mujahid (combatente da jihad), quanto certas questões fisiológicas esquecidas enquanto um personagem está encarcerado, são exemplos desta negligência do diretor com a verossimilhança, se contradizendo com o resto do tom realista da narrativa.

Em Adeus à Noite, é difícil identificar se o verdadeiro centro da história é Alex ou Muriel. A musa Catherine Deneuve, com seus 75 anos, faz aqui um ótimo trabalho, principalmente por conta de sua limitação física. Em virtude de diversas cirurgias de botox, a atriz perdeu muito de suas micro expressões faciais, fazendo com que ela tenha que jogar toda sua atuação para os olhos, o que consegue. A veterana traz uma camada exterior frágil e solitária para Muriel, mas que esconde uma força interior. Em contraste, Kacey Mottet Klein é determinado e introspectivo, estando visível em sua aparência o quanto ele despreza a sociedade ao seu redor, sempre enojado.

Além disso, o figurino de Alex também diz muito sobre a constante contradição da juventude. Apesar de estar compromissado com a Guerra Santa contra os infiéis, ele está sempre usando marcas que são símbolos do mundo ocidental, como um chamativo casaco rosa da Adidas e um tênis da Nike. Semelhantemente, a montagem também joga com a diversidade cultural desses dois mundos, ao contrapor uma menina, com roupas curtas, dançando uma música pop da cultura norte-americana, enquanto Lila está parcialmente coberta por uma burca e falando de religião.

Por fim, Adeus à Noite é como uma mistura das temáticas de Sorry We Missed You, de Ken Loach, e Young Ahmed, dos irmãos Dardenne, podendo ser feito até um paralelo com a mensagem de Onde Os Fracos Não Tem Vez, dos irmãos Cohen. Não se engane, religião é a camada mais superficial deste filme do diretor francês. Téchiné está mais preocupado em estudar o processo de envelhecimento – não à toa, a profissão de Lila é como cuidadora de idosos – e as precipitações e impulsividades da juventude. Aliás, se há uma língua em comum entre Alex e Muriel, essa seria o medo do abandono que aflige ambas as gerações.

Direção: André Téchiné
Elenco: Christine Deneuve, Kacey Mottet Klein, Oulaya Amamra, Stéphane Bak

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