A espera da resposta de uma pessoa amada, o sufocamento e as fragilidades das relações românticas e como elas podem nos levar aos caos externos e internos absolutos são alguns dos temas tratados em A Voz Humana. Em um média-metragem de 30 minutos, Pedro Almodóvar traz a adaptação da peça homônima de Jean Cocteau, com Tilda Swinton como protagonista. Em seu monólogo, acompanhamos, majoritariamente, ela e suas angústias, em todo cenário que a cerca.
Na decupagem de Almodóvar e na atuação de Swinton, cada um dos sentimentos da personagem principal são evocados e passados para o espectador. Principalmente, através de planos mais abertos, nos quais vemos esta mulher andando por vários caminhos dentro de um cubículo adereçado e lutando contra suas emoções transbordantes, é curioso observar como Almodóvar não tenta disfarçar para o público a artificialidade daquele espaço. É possível ver as paredes cenográficas, principalmente em quadros filmados de cima.
Há também uma presença de objetos tecnológicos, pontualmente. Eles, de certa forma, criam um paralelo com toda o estranhamento e distanciamento que arrebata a personalidade das pessoas em términos. Seja no aguardo por uma resolução, nas palavras ensaiadas para um possível reencontro ou neste tipo de luto que toma conta dos corações sofridos, há algo mecânico e artificial quando um fim chega, principalmente quando se trata de uma decisão de apenas um lado.
Ao mesmo tempo, a intimidade criada com a figura central faz com que seja construída uma compreensão gradual sobre suas motivações e é quase como se quem assiste estivesse ali, sentado em uma plateia de teatro ou, ainda, na sala da casa da protagonista, como quando se acompanha os conflitos de uma amiga ou amigo próximo, que acabou de terminar um relacionamento.
Talvez, a identificação seja a chave maior para a conexão com a narrativa. O abandono e a perda de um amor, sobretudo em se tratando de um envolvimento de muito tempo, como acontece no filme, é algo que quase todos os habitantes do Planeta já viveram. Contudo, o como é feito é, sem dúvidas, o principal motivo do êxito do média. Utilizando a técnica ao seu favor, Almodóvar deixa que os quadros mais gerais e localizam o público, seja tomado em alguns instantes, por planos mais fechados em A Voz Humana.
Estes breves instantes de proximidade do rosto de Tilda na tela provocam uma necessidade de investigação, de busca por decifrar os reais questionamentos, pensamentos e dores da personagem. Além disto, em sua movimentação pelo cenário, Swinton revela o quão perdida e melancólica aquela mulher está, mas em seus olhos – sempre fixos em um ponto específico – habitam uma força que imprime que a mesma está prestes a explodir. Há, assim, uma combinação entre criação do diretor e da atriz, que entregam um resultado coeso.
Neste contexto, há toda uma progressão sendo trabalhada e em cada sequência esta iminência do caos que será estabelecido cresce. Toda a solidão da personagem é ainda corroborada com a escolha do foco ser somente a perspectiva desta mulher. Não se ouve a voz do ex-amor da personagem de Swinton. Pelo contrário, quando, finalmente, o telefonema esperado ocorre, ela coloca o fone de ouvido e apenas suas respostas e argumentos são escutados.
É possível, desta maneira, analisar com mais cuidado e sentir amplamente como se configura o discurso de quem é deixado e todas as estratégias que podem ser criadas para evitar tal situação são fomentadas. Enquanto a mulher negocia no telefone e tenta não perder seu objeto de desejo, Tilda fica centralizada e em close. Não há escapatória ali, a não ser acompanhar as tentativas dela de rogar pelo retorno de sua paixão. Como, anteriormente, fora mais explorado o local onde ela estava e quão sozinha ela se sentia, neste terceiro ato vem o confronto e, por isso, a aproximação com seu rosto faz um sentido ainda maior.
Nesta mistura de sentimentos e cores intensas almodovarianas e uma ambientação quase sintética, A Voz Humana é um filme extremamente meticuloso que trata e convoca uma situação caótica. Assim, com uma decupagem, uma mise-en-scène e uma direção de atriz bastante calculadas, Pedro Almodóvar consegue trazer uma obra que, ainda que seja tão pensada para causar certos efeitos, é tão quente e passional, que seu desfecho não poderia ser outro a não ser um incêndio. É uma obra que mescla simplicidade e complexidade e é, em sua totalidade, arrebatadora.
Direção: Pedro Almodóvar
Elenco: Tilda Swinton, Agustín Almodóvar
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