O físico Stephen Hawking talvez seja uma das figuras mais conhecidas e respeitadas do círculo científico, não apenas pelo seu legado acadêmico, mas também por sua luta contra a esclerose lateral amiotrófica, doença que descobriu ser portador na década de 1960 e que paralisou os músculos do seu corpo. O diagnóstico dos médicos era que Hawking teria plena função cerebral, mas perderia sua capacidade de se movimentar gradativamente e conseguiria viver por apenas dois anos. Contudo, contrariando todas estas expectativas, o físico vive e continua atuante no meio até hoje.
Trata-se de uma grande história de vida e era esperado que alguém um dia a levasse para as telas seguindo à risca tudo o que se espera de uma cinebiografia, algo nos molde de Uma Mente Brilhante, de Ron Howard, por exemplo: um gênio “aprisionado” por uma enfermidade, sua esposa dedicada, grandes feitos para a humanidade etc. A Teoria de Tudo, filme que leva a trajetória de Hawking para as telas, segue todas essas regras mas guarda algumas pequenas subversões quando abandona o rótulo de cinebiografia e lança o seu olhar para o casamento do físico com Jane Hawking, de quem acabou se separando após 26 anos de relação.
Diretor mais conhecido pelos documentários O Equilibrista e Projeto Nim, James Marsh não se arrisca muito em A Teoria de Tudo, confere uma atmosfera romântica no início do relacionamento entre Stephen e Jane, cedendo espaço para a sobriedade no momento em que Hawking começa a apresentar os primeiros sinais da doença, tudo isso com o auxílio do tímido e pouco inspirado trabalho de fotografia de Benoit Delhomme (de O Menino do Pijama Listrado). Marsh também flerta muito com o melodrama, apela para recursos ingênuos como o flashback em rewind já no desfecho do filme e conta com a trilha sonora invasiva de Johan Johannsson, que jamais entra em harmonia com a própria história e parece querer arrancar emoções do espectador a todo custo.
Em contrapartida, o diretor consegue êxito quando se apoia no forte desempenho de Eddie Redmayne na pele de Hawking. E por mais que saibamos que o Oscar pode premiá-lo porque este é o típico papel que chama a atenção da Academia e não por ser necessariamente o melhor do ano, não podemos negar que a performance dele é admirável, digna de qualquer honraria. Redmayne consegue ser suave e preciso fisicamente, tornando a piora do quadro clínico do seu personagem um percurso gradativo na história, ou seja, o ator evita transições muito bruscas.
No entanto, também é preciso reconhecer o discreto desempenho de Felicity Jones como Jane Hawking, a quem o filme deve toda a sua singularidade no terreno das biografias “oscarizáveis”. Quando A Teoria de Tudo torna-se um filme sobre o casal Hawking e volta-se para a difícil empreitada assumida por Jane ao levar a frente um casamento com um homem com as limitações de Stephen, deixando de lado suas ambições profissionais e pessoais, o longa se transforma em uma história ainda mais rica. Nesse momento, A Teoria de Tudo deixa de seguir o protocolo cumprido pela maioria das cinebiografias e passa a ser a um filme com uma perspectiva original sobre os seus protagonistas, especialmente sobre esta jovem mulher que, ainda que amasse Stephen, tinha toda uma vida pela frente.
É uma pena que ao retornar suas atenções para a ascensão da carreira científica de Stephen Hawking, A Teoria de Tudo retorne a narrar a história do “admirável homem e da grande mulher que está por trás dos seus grandes feitos”. É um pouco ainda mais desanimador quando sabemos que o filme é baseado em um livro da própria Jane Hawking, que talvez tenha introjetado este conceito na sua própria biografia sem perceber. O resultado é que temos um filme muito mais inspirado e menos protocolar do que se esperava, mas que, no fundo repete, ainda que não tenha consciência disso, determinados tropeços. Existe timidamente em A Teoria de Tudo uma interessante trama de sentimentos complexos protagonizada por uma mulher sufocada pela trajetória inegavelmente admirável do grande Stephen Hawking. Mesmo que não caia no equívoco de simplificar as emoções de Jane e até mesmo vilanizá-la, é uma pena que o filme não tenha aproveitado mais o potencial de narrar a sua história.