Lançados simultaneamente no catálogo do Amazon Prime Video em 2021, A Menina que Matou os Pais e O Menino que Matou meus Pais dramatizavam os eventos que culminaram com o chocante assassinato do casal von Richtofen em São Paulo arquitetado pela própria filha e pelo genro em 2002. Os longas de Maurício Eça narravam as versões de Suzane e de Daniel para o crime e resultaram em obras de gosto duvidoso que flertavam com a reconstituição barata do assassinato.
Com o sucesso do projeto, A Menina que Matou os Pais – A Confissão retoma o caso para abordar eventos que ficaram de fora da narrativa anterior, especificamente, o período que compreendeu o crime e a confissão de Suzane e dos Cravinhos. Maurício Eça retorna para a direção, assim como os atores Carla Diaz, Leonardo Bittencourt e Allan Souza Lima, além dos escritores Ilana Casoy e Raphael Montes, que depois de pesquisarem e escreverem livros sobre o assunto se dedicaram ao roteiro desse projeto.
O resultado de A Menina que Matou os Pais – A Confissão consegue ser pior que as empreitadas anteriores de Eça. Além de passar a sensação de que o realizador tenta tirar “leite de pedra” com o caso, dedicando uma hora e quarenta minutos de história para episódios que já estão mais do que esclarecidos para o grande público e que não justificam um retorno ao tema, A Confissão é um filme extremamente mal executado em diversas frentes.
Nos longas anteriores, os atores contavam com a justificativa das perspectivas para exagerarem nos traços negativos e positivos dos personagens, sobretudo de Suzane von Richtofen. Assim, ainda que soasse estranho o exagero com que Carla Diaz, por exemplo, retratava Suzane como uma menina ingênua em O Menino que Matou meus Pais (o ponto de vista dela para o caso) ou como uma psicopata em A Menina que matou os Pais (a versão de Daniel para o crime) a decisão de composição da personagem se justificava porque o projeto era centrado na disputa de narrativas entre Suzane e os Cravinhos durante o julgamento do crime.
A Confissão não traz o mesmo background dos anteriores, não existem perspectivas a serem contrapostas. Há uma única versão, aquilo que de fato ocorreu. Contudo, estranhamente Diaz investe pesado no retrato de Suzane como uma vilã de novela mexicana, enfatizando caras e bocas e trejeitos de perturbação mental que apesar de a denunciarem como autora do crime a fazem passar despercebida pelos demais personagens da história. Suzane está sempre alterada em cena, com um tom acima do passável para alguém que quer disfarçar uma “culpa no cartório”, com olheiras profundas e tratando com rispidez ou ironia os demais personagens.
Talvez atriz, diretor e roteiristas tenham optado por esse caminho em A Confissão a fim de descartarem qualquer tipo de dubiedade acerca do caráter da personagem, algo que levantou polêmicas no projeto anterior com a necessidade de abordar o crime através das “perspectivas” dos seus agentes. No entanto, a decisão aqui faz o filme extrapolar os limites do risível. No esforço de enfatizar que não corroboram com uma visão que suaviza a culpa de Suzane, os envolvidos em A Confissão parecem apelar para um tratamento raso da personagem, subestimando a capacidade do público de ver nas telas um retrato mais complexo e crível dessa figura e não necessariamente aderir a suas ações através dessa experiência espectatorial. Enfatizar o “lugar” de Suzane no assassinato dos pais não significa necessariamente apelar para a representação mais superficial e estereotipada possível da sua personalidade. Falta nuances à interpretação de Diaz, que ofusca todos os demais parceiros de cena, inclusive Leonardo Bittencourt, que não faz muito dessa vez, com uma abordagem extremamente over.
O tom da performance de Diaz é acompanhado por uma direção que não economiza recursos repletos de canastrice, como os movimentos de câmera usados em momentos de intensa dramaticidade, a exemplo dos surtos de Suzane na cama ou quando o pai dos Cravinhos toma consciência da culpa dos filhos, talvez uma das cenas mais constrangedoras do filme. Essa roupagem da dramatização do caso como um produto barato e exagerado reforça e amplifica problemas já sentidos nos dois títulos anteriores, mas que, de alguma forma, ali eram represados. Talvez um dos poucos pontos passíveis de elogios do filme é o desempenho da atriz Bárbara Colen que interpreta a delegada responsável pela investigação, a única que parece dar algum tipo de credibilidade ao projeto e que surge sóbria em cena.
Se A Menina que Matou os Pais e O Menino que Matou meus Pais ainda geravam alguns pontos de dúvida sobre a natureza do projeto, com todo o seu tom exagerado, A Menina que Matou os Pais – A Confissão faz a iniciativa flertar abertamente com a exploração escancarada de um crime que legou tantas dores a vítimas ainda vivas, entre elas, o irmão de Suzane. O tratamento over do assunto, disposto a querer dar fôlego à protagonista como uma grande vilã de uma pretensa franquia (um true crime pop?), não é respeitoso com a seriedade que o caso exige. A Confissão transforma o crime dos von Richtofen em um folhetim barato com o que existe de pior nas possibilidades de exploração de um tema como este.
Direção: Mauricio Eça
Elenco: Carla Diaz, Leonardo Bittencourt, Allan Souza Lima
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