Os tempos atuais pedem a revisão de conceitos que antes pareciam comuns para a sociedade. Os lugares e as posições que podem ser ocupadas por mulheres é um dos maiores pleitos atuais pela igualdade de gêneros. Filmes como A Esposa mostram justamente toda a dificuldade que as mulheres sofreram e ainda sofrem para se inserir no mundo e serem respeitadas tanto quantos os homens.
Glenn Close incorpora a personagem Joan Castleman. Ela é casada com um escritor, Joe Castleman, que acaba de ganhar o Prêmio Nobel de Literatura. Eles têm que viajar até Estocolmo para receber a premiação e este novo momento da carreira de Joe traz problemas para o relacionamento do casal.
A trama vai sendo cuidadosamente tecida cena após cena e nos pequenos detalhes. As reações da esposa e do escritor aos acontecimentos que sucedem a ligação o Prêmio Nobel deixam o espectador curioso e confuso. Embora haja empolgação e alegria pela conquista, é como se ambos estivessem pisando em ovos e reticentes com os fatos.
Ninguém poderia interpretar o papel da esposa melhor do que Glenn Close. Ela passa uma calmaria imensa em todas as cenas, mas seus olhos revelam que existe um terremoto acontecendo dentro da personagem e que toda aquela “paz” é, na verdade, um excesso de autocontrole. Autocontrole esse que vai sendo explorado pelo roteiro e explicado ao longo da trama.
Ela trafega pela emoções de maneira muito fluida e sem dificuldades. Assistimos às variações e a irritação crescente de Joan, que está cansada de ser apenas “a esposa”. Enquanto seu marido recebe os parabéns pelo prêmio alcançado, ela está cuidando de absolutamente tudo dele. Desde os horários dos remédios até a mudança do óculos normal para os de leitura. Tudo isso é envolto em sutileza e revolta.
Joe sempre enaltece a esposa e não perde a oportunidade de demonstrar seu amor e gratidão pela presença constante dela em sua vida. A medida que a trama evolui, vamos descobrindo novas camadas deste relacionamento, que é cheio de desarmonia e atritos, inicialmente discretos.
O roteiro nos mostra, desde o início, quem é que deve ser nosso foco. Embora ele é quem seja o prestigiado e ela apenas a acompanhante, as cenas focam nas emoções de Joan e em como ela lida com tudo que acontece à sua volta. Em um dos melhores papéis de sua carreira (talvez mesmo o melhor), Glenn Close nos presenteia com uma protagonista passiva, frustrada, forte e intensa, ao mesmo tempo.
Além de mostrar a questão da mulher, o roteiro traça o paralelo de como o homem com a autoestima frágil lida com a força de sua companheira. Ele precisa traí-la para se afirmar como macho alfa dominante e superior, já que em outros setores da vida ele é um mero espectador da incrível mulher que o “acompanha”. Tudo isso faz o espectador refletir sobre as relações humanas e que a sociedade esconde o tempo todo.
Joe utiliza da baixo autoestima da sua mulher para conseguir controlá-la e se sentir menos miserável com seus fracassos e falta de capacidade. Ele conseguia fazer Joan se sentir culpada por tudo que aconteceu entre os dois e as consequências disso. A todo momento, revertendo a situação de forma que, mesmo culpado, ele saísse ileso. Isso fica muito claro quando ele culpa ela pela traições que ele mesmo cometeu.
Todo o roteiro é imenso golpe no estômago de espectador que assiste o quão real e próxima esta realidade é ou pode ser. O quanto que mulheres até hoje são subjugadas e colocadas de lado. O quanto que a própria sociedade quer fragilizar a autoestima da mulher para tê-la sempre sob controle.
Os arcos narrativos são restritos e o ritmo do filme é mais uniforme e constante. Mesmo com revelações surpreendentes, não temos um ápice específico de cenas. O foco é realmente o leque de emoções que a personagem de Close nos exibe, fazendo de sua premiação no Globo de Ouro extremamente justificada.
Mesmo não sendo o filme mais primoroso de todos no quesito técnico, A Esposa ganha o espectador pelo balé de emoções, pelas incríveis atuações e por um roteiro cuidadoso em mostrar o quão difícil é a vida de uma mulher que quer ser tratada igualmente em uma sociedade machista.
Assista ao trailer!