Revelando lentamente do que se trata A Assistente, a roteirista e diretora Kitty Green (Quem é JonBenet) entrega uma produção cuidadosa, forte e minimalista. Ambientado, majoritariamente, dentro de um escritório de uma empresa de entretenimento, o público acompanha ações rotineiras do trabalho da protagonista, Jane (Julia Garner, série Ozark). Como assistente, ela xeroca documentos, entrega o café, atende telefonemas etc.
É nesta aparente rotina repetitiva e cansativa de Jane que, aos poucos, as informações vão sendo entregues. O primeiro elemento que salta aos olhos é a presença mais significativa de homens. Eles cercam Jane e há uma constante sensação de sufocamento e opressão. Os elementos técnicos contribuem para este feito. Um exemplo são os enquadramentos que colocam Jane em destaque, mas sempre deixam algum colega de trabalho dela ao fundo, lembrando para o espectador que suas ações estão sendo observadas e controladas.
O estabelecimento da tensão vai se expandindo e, a partir dos momentos de virada do longa, vão se intensificado. Em um dado momento, o espectador se encontra com o conflito principal da obra e é a partir daí que toda a construção da narrativa ganha força. Era preciso que o público conhecesse a rotina da personagem principal, soubesse da dinâmica de suas intermináveis horas de serviço, do local hostil, machista e nada amistoso, das tentativas de manipular suas palavras nos e-mails trocados com o chefe.
O argumento de A Assistente é muito sobre o privilégio masculino branco, onde eles se tornam quase deuses, sem punições para os seus atos. Mas, é, sobretudo, sobre o silenciamento das vozes femininas e como são ofertadas apenas duas saídas: dançar conforme a música para tentar se alcançar um objetivo mínimo ou ser rechaçada por tentar romper com este sistema. Todas estas questões são fomentadas pelo trabalho de Julia Garner. A atriz compõe uma Jane que mescla movimentações contidas e olhar atento. Na construção corporal é notável o seu entendimento sobre o papel que está performando.
Jane parece um elemento estranho dentro daquele espaço. Cada ação dela provoca olhares, respiradas fundas. Através desta compreensão, Garner calcula os gestos, os tons de voz e até mesmo o como sentar e levantar de sua cadeira. As nuances de velocidade e sentimentos impressos na tonalidade da voz também estão presentes. Ainda que Jane não seja de explosões, ela não é colocada como sem camadas e monocórdica. Dentro da criação dela, há uma exploração de emoções, que passam todo o sentimento de exaustão e revolta de Jane, como na cena em que ela decide, finalmente, denunciar os abusos feitos por seu chefe, porém é tratada com deboche e sofre um gaslighting tão forte, que desiste de prestar a queixa que desejava realizar.
Talvez, o incômodo que surja durante a exibição seja o pensamento derrotista impresso na produção ou a sutileza excessiva, que faz com que Jane empaque e não se desenvolva completamente. Estas duas características parecem ser conscientes e há um ganho em sugerir mais do que mostrar. No entanto, a ausência de uma movimentação da protagonista de um lugar para o outro reduz um tanto da qualidade de A Assistente.
Direção: Kitty Green
Elenco: Julia Garner, Jon Orsini, Rory Kulz, Matthew Macfadyen, Makenzie Leigh
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