Kiss My Wounds

39º Festival de Cinema de Munique: Kiss My Wounds

3.5

Histórias interligadas que se unem já viraram um tanto clichê no cinema mundial, há mais de 20 anos. Amores Brutos (2000), Traffic (2000), 21 Gramas (2003), Crash: No Limite (2004), entre tantos outros – e isto somente para exemplificar dramas, que algo que começou como um chamariz, passou a ser repetitivo, confuso e com enredos que se perdiam. Com o modelo deixando de ser uma inovação, a chave começou a ser a missão de saber dar contas de diversas premissas ao mesmo tempo. Uma tarefa não muito simples.

Kiss My wounds flerta com a iniciativa de inserir tramas paralelas e chega perto de dar conta de sua mescla de subplots. Ainda que a nitidez das costuras entre as tramas sejam mais visíveis do que as dos exemplos aqui mencionados, a diretora e roteirista Hanna Doose faz esta conexão de trajetórias de forma cautelosa, fazendo com o que o público descubra lentamente a ligação entre estas personagens e vá se aprofundando progressivamente em seus conflitos e emoções.

Já nos primeiros minutos de exibição, o espectador tem contato com as personalidades e o momento atual da vida de três mulheres: Maria (Bibiana Beglau), Kathi (Katarina Schröter) e Laura (Gina Henkel). O primeiro ato se configura como uma espécie de apresentação destas figuras, individualmente, para que, aos poucos, o passado delas e o significado de suas relações sejam inseridos. Além disso, há a construção da figura de Jan (Alexander Fehling) e o papel dele, principalmente, para a vida de Laura e Maria.

Existem aqui muitos caminhos narrativos, tramas entrelaçadas e esta estratégia poderia render um desequilíbrio rítmico, com uma história arrastada ou cansativa. No entanto, apesar da quantidade de personagens e premissas, o filme consegue, no geral, segurar a atenção de quem assiste e dissecar os conflitos, emoções e caminhos estabelecidos em cena, por garantir tempo para os diálogos e silêncios, sem cortar o desenvolvimento das interações entre as personagens.

Kiss My Wounds

Ainda que em seu desfecho, Doose não encerre completamente nenhum arco, a totalidade da sua escrita é atenta e explora cada ação com minúcia, como na sequência entre Maria e Laura, quando a dupla discute a razão do desentendimento entre elas e a ruptura da amizade.  Neste contexto, para fomentar esta dinâmica de gradação de intensidade e investigação destes passados e presentes, Doose traz em sua decupagem uma estratégia que consiste em ir dos planos mais abertos e com mais movimentações para os fechados e com a câmera parada a cada virada narrativa de Kiss My Wounds.

É como se Hanna Doose quisesse imprimir na tela toda a grandiosidade do macro das situações dramáticas, no início, para ir mergulhando nas dinâmicas de suas personagens que fosse necessário parar e olhar de perto para todas elas. Neste sentido, a edição de Stefanie Groß contribui para esta sensação. Os seus cortes direcionam o olhar do público para quem será o foco da sequência, aumentando não apenas a conexão com o que está posto no ecrã, mas pondo uma lente de aumento na próxima questão que será problematizada.

Por fim, é preciso salientar o talento do trio principal. As intérpretes jogam em cena através de um trabalho de respiração, contenção – vinda do tônus corporal – e troca de olhares. A organicidade em dizer cada texto também é uma característica que faz com que o enredo, tão cheio de intensidade e até elementos do melodrama, seja fluido. De acordo com Doose (durante a estreia do filme no 39º Festival de Cinema de Munique) todas as falas foram improvisadas.

Todavia, ainda que não se saiba dessa informação, é perceptível a consciência das três atrizes, em todas as suas interações. Estas escolhas da equipe tornam Kiss My Wounds um longa-metragem intenso, coberto de sensibilidade, força e coragem. Seja no diálogo espontâneo, na decisão em diminuir gradativamente os efeitos de câmera e movimentações ou inserir diversos subplots, a produção mirou no grande, no desafiador. Por este mesmo motivo, a obra peca em ser totalmente coesa, deixando algumas perguntas sem respostas, por exemplo.

Mas, ainda que não saiba concluir o que criou, Doose oferta uma sessão cativante, que pode pegar o espectador pelo coração, criando uma empatia com as personagens e com o enredo.

Direção: Hanna Doose

Elenco: Bibiana Beglau, Katarina Schröter, Gina Henkel

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