Histórias interligadas que se unem já viraram um tanto clichê no cinema mundial, há mais de 20 anos. Amores Brutos (2000), Traffic (2000), 21 Gramas (2003), Crash: No Limite (2004), entre tantos outros – e isto somente para exemplificar dramas, que algo que começou como um chamariz, passou a ser repetitivo, confuso e com enredos que se perdiam. Com o modelo deixando de ser uma inovação, a chave começou a ser a missão de saber dar contas de diversas premissas ao mesmo tempo. Uma tarefa não muito simples.
Kiss My wounds flerta com a iniciativa de inserir tramas paralelas e chega perto de dar conta de sua mescla de subplots. Ainda que a nitidez das costuras entre as tramas sejam mais visíveis do que as dos exemplos aqui mencionados, a diretora e roteirista Hanna Doose faz esta conexão de trajetórias de forma cautelosa, fazendo com o que o público descubra lentamente a ligação entre estas personagens e vá se aprofundando progressivamente em seus conflitos e emoções.
Já nos primeiros minutos de exibição, o espectador tem contato com as personalidades e o momento atual da vida de três mulheres: Maria (Bibiana Beglau), Kathi (Katarina Schröter) e Laura (Gina Henkel). O primeiro ato se configura como uma espécie de apresentação destas figuras, individualmente, para que, aos poucos, o passado delas e o significado de suas relações sejam inseridos. Além disso, há a construção da figura de Jan (Alexander Fehling) e o papel dele, principalmente, para a vida de Laura e Maria.
Existem aqui muitos caminhos narrativos, tramas entrelaçadas e esta estratégia poderia render um desequilíbrio rítmico, com uma história arrastada ou cansativa. No entanto, apesar da quantidade de personagens e premissas, o filme consegue, no geral, segurar a atenção de quem assiste e dissecar os conflitos, emoções e caminhos estabelecidos em cena, por garantir tempo para os diálogos e silêncios, sem cortar o desenvolvimento das interações entre as personagens.
Ainda que em seu desfecho, Doose não encerre completamente nenhum arco, a totalidade da sua escrita é atenta e explora cada ação com minúcia, como na sequência entre Maria e Laura, quando a dupla discute a razão do desentendimento entre elas e a ruptura da amizade. Neste contexto, para fomentar esta dinâmica de gradação de intensidade e investigação destes passados e presentes, Doose traz em sua decupagem uma estratégia que consiste em ir dos planos mais abertos e com mais movimentações para os fechados e com a câmera parada a cada virada narrativa de Kiss My Wounds.
É como se Hanna Doose quisesse imprimir na tela toda a grandiosidade do macro das situações dramáticas, no início, para ir mergulhando nas dinâmicas de suas personagens que fosse necessário parar e olhar de perto para todas elas. Neste sentido, a edição de Stefanie Groß contribui para esta sensação. Os seus cortes direcionam o olhar do público para quem será o foco da sequência, aumentando não apenas a conexão com o que está posto no ecrã, mas pondo uma lente de aumento na próxima questão que será problematizada.
Por fim, é preciso salientar o talento do trio principal. As intérpretes jogam em cena através de um trabalho de respiração, contenção – vinda do tônus corporal – e troca de olhares. A organicidade em dizer cada texto também é uma característica que faz com que o enredo, tão cheio de intensidade e até elementos do melodrama, seja fluido. De acordo com Doose (durante a estreia do filme no 39º Festival de Cinema de Munique) todas as falas foram improvisadas.
Todavia, ainda que não se saiba dessa informação, é perceptível a consciência das três atrizes, em todas as suas interações. Estas escolhas da equipe tornam Kiss My Wounds um longa-metragem intenso, coberto de sensibilidade, força e coragem. Seja no diálogo espontâneo, na decisão em diminuir gradativamente os efeitos de câmera e movimentações ou inserir diversos subplots, a produção mirou no grande, no desafiador. Por este mesmo motivo, a obra peca em ser totalmente coesa, deixando algumas perguntas sem respostas, por exemplo.
Mas, ainda que não saiba concluir o que criou, Doose oferta uma sessão cativante, que pode pegar o espectador pelo coração, criando uma empatia com as personagens e com o enredo.
Direção: Hanna Doose
Elenco: Bibiana Beglau, Katarina Schröter, Gina Henkel
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