Servus Papa, See You in Hell

39º Festival de Cinema de Munique: Servus Papa, See You in Hell

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Quando protagonistas mulheres são postas sob a ótica de uma direção masculina, uma sensação de desconforto pode se alastrar durante uma sessão de cinema. Servus Papa, See You in Hell é um destes casos no qual o espectador  consegue se perguntar a exibição inteira quais as razões da condução de algumas cenas e o que acontece com o olhar de Christopher Roth (Lacoma) para a sua personagem principal.

É bem verdade que em seu roteiro Roth contou com a colaboração de Jeanne Tremsal, a mulher que viveu, de fato, a história narrada neste longa-metragem. A obra é inspirada em acontecimentos da juventude de Tremsal, quando a mesma morava em uma comuna, liderada por Otto Muehl. Neste contexto, existem várias camadas que a serem discutidas, porque este é um enredo que evoca polêmicas e traz assuntos delicados, como o abuso psicológico e sexual.

Todavia, este texto se inicia com um comentário sobre Roth. Talvez, a questão central do longa seja este engasgo que permanece durante a fruição da produção, pois há uma forma como os homens brancos héteros cis expõem os corpos femininos e/ou possuem em seus imaginários o que seria a figura de uma mulher forte, que decide romper com opressões. Para representar a quebra da prisão mental de Tremsal, por exemplo, Roth gasta longos minutos em uma sequência da menina flertando e tendo relação sexual com dois jovens.

Isto logo após a sua fuga da comuna, onde ela estava correndo diversos riscos. Em seguida, Tremsal volta para o local que escapou, cavalgando, em uma junção de cenas que desfazem o sentido da própria personalidade criada para ela. Não há coerência desta ação no que se refere ao que fora construído sobre a personagem nos dois primeiros atos. Mas, para além disso, o seu corpo – e o de outras figuras femininas da trama, diga-se de passagem – são filmadas de forma incômoda.

O tempo dos enquadramentos e quais planos Roth decide utilizar para cada situação revela mais um olhar de sexualização dos abusos do que uma crítica a eles. Obviamente, esta é uma história difícil de se abordar, porém as estratégias e escolhas de Servus Papa não são as mais acertadas. Inclusive, toda a complexidade e destaque estão alocados em Otto, enquanto todos os outros são tipos planificados, com frases de efeito, repetidas e sem sentimentos ou ações investigadas, ele tem planos que duram mais, com performances coreografadas e monólogos.

Servus Papa, See You in Hell

Contudo, ainda assim, o filme poderia trazer elementos estéticos e/ou técnicos que tornassem a projeção menos desgastante. No entanto, para além das questões de representação da mulher e do patriarcado que são as piores possíveis, Roth também falha em amarrar o seu roteiro, deixando a estrutura narrativa bagunçada, o que causa cansaço no público. Isto porque ele decide evocar uma repetição na metade da obra, que é desnecessária, porque não adiciona ou afeta as personagens de forma alguma, tampouco modifica algum rumo da história.

Além disso, as mudanças de comportamento de todes são abruptas e soam arbitrárias. Além disso, a mise-en-scène é desestruturada. Roth parece querer passar a sensação de caos e isto é válido. Mas, quem assiste precisa se conectar com as personagens, seus caminhos, conflitos e personalidade. A bagunça cênica precisa ser uma bagunça organizada, porque ela tem espectadores. Desta forma, ao tentar expressar as emoções e atos extracotidianos da comunidade liderada por Otto, Christopher Roth afastou seu público.

Assim, de maneira geral, Servus Papa, See You in Hell é uma produção desagradável e ineficaz, seja em seus quesitos discursivos ou técnicos. Este é um longa que parece ter uma vontade de “causar”, de ser diferente. Mas, para realizar tal intento é necessário um roteiro com coesão, que não pule etapas no desenvolvimento de suas personagens e da sua trama, bem como é preciso ter uma direção mais consciente, que pense em sua prática a favor da narrativa e não dos recursos que deseja utilizar.

Os únicos elementos positivos do projeto vêm da equipe de arte e da fotografia, que prendem a atenção de quem assiste, com sequências que acertam na iluminação, combinada aos elementos de cena e figurinos. A imersão na sessão ocorre em alguns minutos devido ao cuidado com a reconstrução histórica da comunidade e de seus moradores.

Direção: Christopher Roth

Elenco: Clemens Schick, Hanns Zischler, Jana McKinnon

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