No final da década de 1980, Cao Hamburguer (Castelo Rá-Tim-Bum: O Filme) trouxe A Garota das Telas, um curta-metragem de animação que homenageava o cinema clássico hollywoodiano. Através de uma junção de múltiplos gêneros, a obra apresenta um ganho para a parte do público que possui paixão pelo cinema e que conseguirá identificar cada espécime de filme que é ali convocado. No entanto, a produção possui algumas características que geram incômodos, seja pelos aspectos formais ou discursivos.
Há um mal envelhecimento nele. Este é, nitidamente, um curta de seu tempo, no qual os traços de machismo estavam impressos nas narrativas de maneira mais expressiva – não que, atualmente, isto não exista, mas, talvez, houvesse uma passabilidade mais extensa no passado. Desta maneira, no enredo, vê-se uma personagem masculina no centro do enredo, colocado como esse herói que fragiliza e, ao mesmo tempo, sexualiza e distancia da realidade a figura feminina da trama.
Ela é a femme fatale. Ele é o mocinho, atraído pelos encantos desta mulher, que o leva para uma espécie de aventura, na qual o faroeste, a ficção científica, o noir e o musical se encontram. Além da visão deturpada deste objeto (!) de interesse da personagem principal, ainda há um outro olhar estereotipado: o para com os orientais. Eles são apresentados sem individualidade e performam corporalmente algo que está em um imaginário ocidental. Ainda que seja uma tentativa de replicar o que Hollywood faz dentro do audiovisual, a fruição da narrativa se complica em uma sessão que acontece em 2021, quando há um esgotamento explosivo quando qualquer tipo de estigma é posto na arte como um todo.
Ainda assim, caso estes fatores sejam relevados pelo público, devido ao período da realização, A Garota das Telas não é bem resolvido também quando se tratam das questões formalistas. O roteiro tem uma ausência de coesão. Entre as suas diversas passagens de gêneros cinematográficos, a sensação é que falta espaço para aprofundar as características das personagens e suas relações. No geral, ele parece ser a junção de sketches e o visual, ainda que alcance o objetivo aparente, é colocado demasiadamente em primeiro plano, deixando de lado o trabalho de um enredo mais apurado.
O que acaba por acontecer é uma falta de conexão com aquela história. Neste contexto, há pouca costura nesta trajetória do protagonista, pouca exploração de suas complexidades e dos que o cercam, é meramente um tipo de reprodução de estilos e de sequências famosas, como Amor Sublime Amor ou Godzilla. A intenção não é de todo mal, mas com esta mistura de irregularidades é difícil acompanhar a sessão com entusiasmo ou até mesmo vontade. Talvez, para os cinéfilos, a fruição seja um pouco mais prazerosa, pois é possível relembrar momentos icônicos do cinema, principalmente em seu número de encerramento.
Direção: Cao Hamburguer